São Paulo, sexta-feira, 5 de janeiro de 1996
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As projeções do governo

LUÍS NASSIF

Em julho passado, a coluna alertava que, depois de arrebentar com o orçamento de pessoas físicas e de pequenas empresas, a política monetária bateria fundo na arrecadação de impostos.
A coluna cansou de demonstrar que, até então, os acréscimos de receita provinham de Imposto de Renda (que refletia resultados do período anterior ao arrocho monetário), impostos de importação (inflados pela importação de carros) e Imposto sobre Operações Financeiras (que explodiu com as taxas de juros) -itens sem relação direta com a atividade econômica. E que impostos indicadores de atividade registram a realidade econômica com alguma defasagem de tempo.
Em agosto, o Ministério da Fazenda resolveu consolidar os dados de receita dos Estados. Nesta semana, o secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, admitiu que a queda era tão expressiva que se providenciou uma rechecagem nos dados, julgando-se que havia erros de coleta. Não havia.
Atenuantes
Para 1996, Mendonça de Barros acredita que os dois principais problemas a serem enfrentados pelo governo são aqueles que a coluna repisou no ano passado: queda de arrecadação, trazendo problemas para as contas públicas, e os extraordinários índices de inadimplência das pessoas jurídicas.
Mesmo assim, sustenta que o primeiro semestre será menos ruim do que comumente se prevê, baseado em alguns indícios concretos:
1) A securitização da dívida agrícola e a recuperação dos preços agrícolas permitirão uma recomposição do fluxo de caixa dos agricultores.
2) Apesar do alto índice de inadimplência das pessoas jurídicas, as pessoas físicas estão conseguindo gradativamente sair da inadimplência e recuperar sua capacidade de endividamento.
3) Embora a rentabilidade do comércio tenha caído, o nível de vendas físicas aumentou, indicando rodadas próximas de recomposição de estoques.
Contas públicas
No campo das contas públicas, Mendonça de Barros entende que 1995 não se repetirá em 1996. No plano federal, o estouro fiscal decorreu da soma de reposição do IPC, benefícios funcionais individuais, o que não haverá em 1996.
Tais dados garantem que em 96 não haverá crescimento de despesa semelhante ao de 95. Mas não garante que o nível de despesas será inferior, dada a inflexibilidade da estrutura de gastos públicos. Depois que subiu, dificilmente desce. Mendonça de Barros concorda, mas explica que a privatização deverá deslanchar, garantindo os recursos necessários à transição.
Do lado dos Estados, julga que os ajustes serão inevitáveis, simplesmente porque se bateu no limite de endividamento do mercado, por intermédio das operações de Antecipação de Receita Orçamentária.
Fundos de pensão
Em janeiro, o Ministério da Fazenda deverá anunciar a capitalização individual das contas da previdência complementar. Essa mudança acabará com a regra atual de benefícios garantidos, que fazia com que o Estado se responsabilizasse por qualquer desequilíbrio atuarial. A medida deverá provocar mudanças sensíveis nas orientações de investimentos dos fundos de pensão.
Especuladores alcoólatras
O diretor de Política Econômica do Banco Central, Francisco Lopes, declara que os juros continuarão altos para dar previsibilidade, "o pior dos mundos para o especulador".
Tem razão o filho monetário do grande Lucas Lopes. Especulador não se importa em ficar rico ou não. Ele quer grandes emoções. E não há nada de mais monotonamente previsível do que especular contra o governo. Basta captar um dólar que custa 8% ao ano, aplicar num título público brasileiro que paga 40% ao ano, e encher as burras sem nenhum risco, nenhuma emoção.
Por isso mesmo, o Brasil deve ser o país com o mais alto índice de alcoolismo entre os especuladores.
Esse deve ser o segredo do Chico: matar o especulador de tédio.

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