São Paulo, sexta-feira, 5 de janeiro de 1996
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Um interlúdio, sol e estórias

JOSÉ SARNEY

Em jornal também existem buracos negros, tempos em que as notícias desaparecem e fica apenas visível o escuro, onde se concentram as grandes energias. Fim de ano, depois dos fatos institucionais, das festas e dos rojões, vem um terreno árido em que o jornalista tem de tirar leite das pedras. Aí é hora das especulações, das profecias, das perspectivas e prospectivas, momento de descontar velhas idiossincrasias.
Otto Lara Resende tinha uma fórmula para esses tempos. Era editorialista do "Diário de Notícias", do Rio, o grande jornal político depois da queda do getulismo, intransigente com o Estado Novo. Era seu diretor e proprietário um dos grandes jornalistas deste país, Orlando Dantas.
O "Diário de Notícias" era uma escola. Dali saíram Odylo Costa, Vilas Boas, Heráclito Sales, Carlos Castelo Branco, Osório Borba, Pompeu de Sousa, Eneida e toda uma geração que veio a desempenhar um grande papel no jornalismo brasileiro.
Mas o velho Orlando Dantas guardava seus alvos preferidos. O mesmo se dizia de Júlio Mesquita Filho, que tinha uma seleção de amigos, a relação do chefe.
Pois Otto Lara Resende sabia que Orlando Dantas não tolerava, tinha horror e, mais do que isso, ira sagrada de Osvaldo Aranha, a quem atribuía todas as manobras escusas de um verdadeiro demônio do país. Otto, quando não tinha assunto, já saía de casa com o editorial pronto, descascando o Osvaldo Aranha. Chegava ao jornal, ia à sala do diretor.
"Qual é o tema do editorial de hoje?", perguntava o velho Orlando Dantas.
Otto não vacilava:
"Dr. Dantas, o Osvaldo Aranha não tem jeito. Está fazendo mais uma das suas. Vou malhá-lo sem dó."
"Pois faça, meu filho, com mais vigor sempre. Isso ajuda o Brasil", respondia o velho Orlando Dantas.
Aqui, na Folha, o Frias não revela o seu segredo, que é o de não ter idiossincrasias explícitas. Dificulta a fórmula Otto Lara, mas ajuda a divagar.
Carlos Castelo Branco contava que, quando chegou para trabalhar no "Mundo Ilustrado", o diretor recomendou-lhe:
"Sente-se à máquina todo dia e ataque a honra de alguém, esse é o segredo do sucesso jornalístico."
Fez uma pausa e perguntou:
"A quem você vai atacar?"
Castelo respondeu:
"O senhor."
De quem vamos falar neste princípio de ano? No buraco negro das notícias? Da reeleição? Do Sivam? Dos juros? Do câmbio? Do desemprego? Das falências em cascata? Dos sem-terra? Ou de que tudo vai bem, às mil maravilhas, exceto o drama da Vera Fischer e as exigências da princesa Diana para encontrar outro príncipe?
Ia me esquecendo da convocação extraordinária do Congresso. Temos apenas 25 sessões e mais de 20 matérias impossíveis de votar.
Isso me interrompe esta semana de sol e mar, com espírito de largar tudo, e sons longínquos dos sinos de Natal, ventos que vêm da África, neste Maranhão, onde me encontro, sem ordem do dia e as questões de ordem de meu amigo Pedro Simon, mergulhado no interlúdio de sol e estórias.
Na outra semana, se estiver ainda uma safra ruim de assunto, ligo para o meu colega ACM. Ele sabe das coisas.

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