São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Santos tenta manter iluminado o alçapão

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O Santos de Pelé reinventou o futebol, virou o mundo de pernas pro ar e trocou o velho e traiçoeiro "alçapão" da Vila pelo moderno e grandioso Maracanã, onde era mais bem compreendido e admirado. Cosmopolita, era recebido por reis e princesas onde pisasse, e sentia-se em casa, fosse em Londres, Paris ou num vilarejo perdido nas selvas da África. Mas nunca se livrou desse paroquialismo que faz da Vila um alçapão para si mesmo.
Veja-se o caso de Cabralzinho, que pegou o Santos desacreditado, como mero figurante no Brasileiro, e levou-o a disputar o título, numa campanha devastadora e cintilante. É verdade que ele tem aquele peitinho de pomba, empinado, a papada esticada como quem quer alcançar alguns centímetros a mais de altura só com a pose, que se completa com um ar de sabe-tudo enrustido.
Como é da Baixada e ninguém é profeta em sua terra, foi rejeitado por esse espírito paroquial que assombra a Vila. Mas, como disse Gilberto Gil, a perfeição é meta defendida pelo goleiro (da seleção). O que importa é o trabalho nas quatro linhas, e Cabralzinho foi estupendo.
Não só porque levou o Santos às portas do título brasileiro, mas, sobretudo, porque rompeu esse chato e burocrático defensivismo que nega nossa vocação, desvirtua nossa escola, enche nossa paciência. Isso em perfeita sintonia com o que há de mais moderno no futebol mundial -esse holandês mestiço chamado Ajax.
Sai Cabral, entra Candinho, também bom técnico, experiente, viajado. Espero que mantenha acesa a chama de esperança que iluminou por breve tempo a Vila, antes de mergulhar no escuro alçapão.
*
Assim também já é demais. Numa chamada da TV Bandeirantes para o espanholíssimo filme de Almodóvar, "Kika", o locutor enche o peito e solta o nome da protagonista: "Victória Eibril (Abril)". Meu Deus, fora esse português furreca que anda por aí, não há mais nenhum outro idioma no mundo a não ser o inglês? Nem os nossos primos-irmãos, o espanhol, o italiano, o francês?
Sim, porque para nossos locutores, o gálico Jean (Jan) é Je-an. Mas o anglicano Washington nunca será Vaxinguiton.
Assim como o circuito de Phoenix é Finix, como pronunciam os americanos de lá, embora o nome da cidade seja grafada na forma latina do termo de origem grega: exatamente como o nosso conhecidíssimo fênix, que renasceu das cinzas.
Espanhóis, franceses, americanos -todos, enfim- pronunciam nomes estrangeiros a sua maneira. Só o brasileiro tem a mania de reproduzir palavras estrangeiras na forma original. Se, na maioria das vezes, acerta no inglês, erra nos demais. Um jogo perdido por mil a um.

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