São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Política mexicana mantém apoio apesar de crise

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre os poucos pontos com que todos os mexicanos concordavam no final do ano passado estava o alívio de se chegar ao fim do pior ano da história econômica moderna do país.
Nunca a economia encolheu tanto (mais de 7%); nunca houve tantos mexicanos desempregados, nunca a perspectiva de recuperação e prosperidade pareceram tão remotas.
Dois mistérios encobrem a claridade deste horizonte conceitual e psíquico. Um pertence ao âmbito das elites; o outro, aos domínios das massas.
A primeira pergunta pode ser formulada da seguinte maneira: se o país permanece 14 anos consecutivos sem crescer em ritmo elevado e sustentado, e 11 anos insistindo nas mesmas políticas sem ao menos se aproximar dos resultados esperados, por que as elites políticas, empresariais e intelectuais mexicanas não se dividiram, refletindo a necessidade de buscar outro caminho? Qual é o limite de tolerância dessas elites diante do fracasso?
A analogia chilena revela o abismo que separa o México do êxito e da razão. O modelo neoliberal chileno começou a ser posto em prática em 1975, e, desde o início, recebeu amplo apoio das elites que ficaram no país.
As que teriam discordado haviam desaparecido politicamente no holocausto paradigmático que representou o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.
O esquema mostrou resultados espetaculares em 1980 e 1981, para logo desmoronar, de modo também espetacular, quando o produto caiu 14%. Os bancos são novamente nacionalizados, a moeda sofre uma desvalorização estrondosa, vários grandes empresários e tecnocratas são presos, uma nova equipe toma as rédeas e impõe mudanças importantes ao modelo.
Após alguns anos de saneamento, a economia chilena deslancha. A partir de 1985, ou seja, uma década depois do início e uma década atrás, o Chile passa a crescer mais do que 7% ao ano. Pode-se discutir o custo, a universalidade do esquema e sua pertinência para outros países em outras épocas, mas não o resultado.
Conforme o precedente chileno, 1995 deveria ter sido um grande ano para o México: o momento em que os sacrifícios acumulados, finalmente, davam seus frutos.
Mas, ao contrário, foi o pior ano na memória dos mexicanos, e não há razão para se esperar que os próximos anos -até o fim deste século- sejam equivalentes ao ano de 1985 chileno.
O produto per capita mexicano hoje é inferior, em dólares, ao de 1980; o consumo aparente de carros no ano passado foi significativamente inferior ao de 1981, e somos 25 milhões a mais de mexicanos.
Somente uma infinita paciência, uma resignação fatalista ou um fator externo podem explicar o apego das elites mexicanas a um receituário cujos resultados foram tão ruins.
Sem descartar as duas primeiras eventualidades -ninguém duvida da paciência e resignação de qualquer mexicano, rico ou pobre- sugiro a terceira: o papel dos Estados Unidos tem sido fundamental para perpetuar políticas e paradigmas que, de outro modo, não teriam resistido a sua própria inadequação à realidade mexicana.
Os fundos americanos, desde 1986, dissimularam as carências do modelo e permitiram sua sobrevivência em conjunturas que, de outra forma, teriam obrigado a retificações e mudanças inevitáveis.
O apoio político da Casa Branca manteve intacto um sistema político e uma classe governante agonizantes, garantindo o seu ingresso no século 21 graças a condições que não seriam toleradas pelas elites e massas na Europa Oriental, América do Sul ou no Sudeste Asiático.
E o apoio ideológico incondicional ao Consenso de Washington criou o vazio conceitual que se converteu no principal baluarte de um modelo carente de outros argumentos em seu favor.
Cada vez que deviam prestar contas ao país, muletas e remédios vinham do Norte e permitiam fugir do juízo final. Cada vez que o fracasso destruía esperanças e alentava alternativas, os resgates multimilionários justificavam um último esforço.
E a sucessão de tapinhas políticos nas costas provenientes da capital americana assegurou que o desmoronamento de um regime unipartidário com mais de 70 anos se traduzisse em um questionamento dos 40 anos de crescimento entre 1940 e 1980, e não dos 15 anos de marasmo. Nessas condições, que setor das elites discordará de um consenso arraigado não na própria sociedade.
A pergunta para as massas não é original. Por que nada acontece no México? Poucos países aturaram a metade do sofrimento, em duração e intensidade, que o México suportou nos últimos anos, principalmente em 1994 e 1995.
Mas a paz social prossegue, persiste a capacidade dos sucessivos governos de impor sacrifícios e de manter no poder um mesmo grupo de funcionários. E a capacidade de luta e de reação das massas sacrificadas, salvo esporádicas, isoladas e heróicas exceções, é inexistente.
Há inúmeras explicações: políticas e antropológicas, históricas e casuísticas, simples e complexas. Todas trazem elementos úteis e inegáveis, mas insuficientes: nenhuma é totalmente convincente.
São sempre os setores organizados os que reagem às afrontas. Operários sindicalizados, classe média organizada em associações ou partidos, agricultores em comunidades ou ligas, estudantes matriculados, conscientizados e empolgados: esses são os contingentes das lutas políticas e sociais dos países da América Latina.
Podem ocorrer explosões de ódio de setores desorganizados: motins, saques, invasões de terra. Mas as grandes comoções neste hemisfério são de outra natureza: protestos trabalhistas no Chile, Bolívia e Argentina; estudantes no Brasil e em Cuba; quadros da "juventude dourada" em El Salvador e na Nicarágua.
Tais setores não nasceram sabendo como lutar, nem como se defender por voto, greve, protesto, leitura dos jornais e associações políticas. Viveram uma aprendizagem, adquiriram paulatinamente experiência, conhecimento, como seus contemporâneos em outras latitudes.
A medida que emergia, a classe operária aprendeu a se reunir em sindicatos e eleger dirigentes; à medida que se construía a classe média, ela formava seus partidos, competia por suas preferências eleitorais e líderes, primeiro em escala reduzida -a Velha República brasileira, as fraudulentas eleições argentinas de 1916-1920; Peron; as Diretas-Já em 1985, as três tentativas de Salvador Allende: 1958, 1964, 1970.
Se a classe média, a classe operária, os estudantes e os burocratas mexicanos não adquiriram a aprendizagem necessária no momento indicado, devido justamente às características do sistema político mexicano, perderam a oportunidade histórica de aprender?
O momento de aprender passou e não voltará nunca mais. A disposição para a aprendizagem de conhecimentos, práticas e costumes interiorizados não é infinita nem no tempo nem no espaço. Os setores pós-revolucionários da sociedade não lutam porque não sabem como, e não sabem porque não aprenderam a tempo. O carteiro da história não bate duas vezes.
Caberá à fatalidade que 1996 desminta o pessimismo que permeia estas linhas. Oxalá 96 arraste em sua esteira lutas, protestos e rupturas, única receita para uma possível e pertinente mudança.
Nunca as distâncias para as grandes transformações sociais pareceram tão grandes como na véspera de seu estouro; a impenetrabilidade do acontecer político no México segue tão vigente como sempre, e jamais se perde a esperança. Mas, se dentro de um ano voltarmos a buscar interpretações para o inexplicável, poderemos usar essas. Não são mais descabidas do que outras.

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