São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Expectativa de vida

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Como ela faz em todo final de ano, a dona Joaninha me visitou para fazer um balanço de 1995 e desejar um bom 1996. A sua vida de aposentada lhe dá todo o tempo do mundo para esticar a conversa até o limite dos nossos pulmões.
Desta vez ela chegou com duas perguntas prontas. Pareceu-me ter pensado nesses assuntos por um bom tempo.
A primeira foi sobre idade. Ela me perguntou à queima-roupa quantos anos eu ia fazer em 1996. Sabendo que ela não gosta de contar a sua própria idade, assim falei: "Já passei dos 60...", perguntando logo em seguida: "E você?".
A Joaninha foi minha colega de ginásio. Formou-se na Escola Normal com 20 anos; deu aulas por mais de 40; e já está aposentada há quase uma década. Pelos meus cálculos ela está beirando os 70.
Pois bem. Com muito charme e elegância e dando o mais longo rodeio do mundo, ela me disse: "É. Também estou chegando aos 60".
Ponderei que a vida média das mulheres no Brasil está em torno de 65 anos e a dos homens, 62. Por isso, tanto eu quanto ela estávamos "nos aproximando na média". Mostrei ainda que para os que estão nascendo hoje, a vida média vai ultrapassar os 70 anos no ano 2000 e que nos Estados Unidos, Japão e Alemanha já ultrapassou a casa dos 80.
Nesse ponto ela veio com a segunda pergunta: "Como se explica existir tanta pobreza, criminalidade e violência no Brasil atual quando o que se produz é mais de dez vezes o que se produzia quando comecei a lecionar?".
Tentei entrar com a questão da população. Percebi que ia me dar mal pois o PIB, de fato, cresceu muito mais do que as bocas no referido período. Resolvi voltar à questão da idade, mencionando que o envelhecimento impõe custos altíssimos para a sociedade.
Os idosos demandam muitos serviços nos campos da previdência e da saúde, em especial na área das doenças degenerativas, e que custam muito caro.
Por mais que se queira manter os idosos com uma boa qualidade de vida, não há orçamento que aguente. O problema é geral. Veja o que está acontecendo na França, Itália, Estados Unidos e tantos outros países que, como o Brasil, também faliram o sistema previdenciário.
Os seres humanos não se deram conta de que enquanto sua idade aumenta na base linear, as despesas crescem na base exponencial. Por isso, a equação não fecha. Teremos de encontrar uma outra fórmula para lidar com a avalanche dos idosos que "ameaça tomar conta deste planeta", brinquei com ela.
Ah! Isso estourou como uma bomba. Nunca vi a Joaninha tão brava. Quis saber se eu a estava considerando como um peso morto a atrapalhar os mais jovens.
Para acalmá-la só me restou dizer: "Fique calma, minha cara amiga. Esse problema ainda não bateu à sua porta. Afinal, você acabou de me dizer que nem chegou aos 60... Não há por que se preocupar".
Encerrei a conversa, pedindo a ela que lesse o meu próximo artigo, no qual apresentarei os dados que alimentam a minha apreensão com o problema populacional no Brasil.

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