São Paulo, segunda-feira, 8 de janeiro de 1996
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Desrespeito ao público

JUAREZ S. BRITTO WANDERLEY

Cenário: aeroporto de Guarulhos, sete horas da manhã. Vôo fretado para San Martin e Isla Margarita, no Caribe. Uma semana de férias incluindo o "réveillon" com decolagem prevista para as 11h daquela quinta-feira, 28 de dezembro. Isto era o que pensavam e sonhavam as 321 pessoas que àquela hora começavam a chegar de todas as partes do país e do Estado, seguindo instruções da empresa responsável pela venda do programa, a Mundirama Turismo, sediada em São Paulo.
Às 14h as primeiras informações, trazidas por uma amiga de um passageiro que conhecia um agente, indicavam que não haveria viagem porque a empresa não teria pago à vista os 50% do fretamento do avião conforme a praxe.
Nenhum responsável pela empresa aparecia. O tempo passava, até que às 11h, hora programada para a decolagem, todos se convenceram de que alguma coisa estava errada. O que fazer? Pessoas vindas de Brasília, de Florianópolis, da Bahia, de Porto Alegre, muitos do interior do Estado, começavam a acreditar no pior: a viagem não existia. Não havia fretamento de avião e, possivelmente, nada estaria garantido dentro do programa. Instalou-se a insegurança: "Vamos chamar a imprensa, vamos acionar a polícia" -eram as primeiras manifestações de revolta e frustração que se instalavam espontaneamente entre as pessoas, e assim foi feito.
Chegaram os jornais e as televisões. A polícia lavrou o flagrante de estelionato e prendeu um supervisor e dois auxiliares da Mundirama que lá apareceram não se sabe para quê, já que não tinham autoridade nem competência para decidir.
Às 17h, distribuído o boletim de ocorrência a cada passageiro, presos os auxiliares da empresa estelionatária, todas as esperanças de viagem desfeitas, cada um voltou à sua casa levando agora um presente de fim de ano: a missão de lutar pelos seus direitos. Que direitos? Os custos diretos? Estes haviam sido pagos à vista com antecedência, na sua totalidade ou parcialmente. E os danos morais? A humilhação, a frustração e o péssimo exemplo? Pessoas que lutaram por alguns instantes de satisfação mesmo em sonho. Jovens cheios de expectativa assistiam a um ato de desrespeito e irresponsabilidade permitida. Aonde está a Embratur que qualifica estas empresas? Estes danos ficarão impunes? Empresas desqualificadas como a Mundirama e seus proprietários não podem usar o público como instrumento de suas jogadas financeiras, livremente.
Sabe-se que incidentes podem ocorrer, porém os dessa natureza são previsíveis e com muita antecedência. Falta de pagamento com o respectivo cancelamento do vôo já era do conhecimento dos responsáveis, que simplesmente deixaram as coisas acontecerem com o mínimo de respeito aos compromissos assumidos.
Em um país organizado, no qual a qualidade ligada ao compromisso é levada a sério, uma empresa prestadora de serviços como a Mundirama, que deve estar dando os primeiros sinais de falência, deveria ter sido lacrada naquela tarde com os seus direitos cassados por incompetência para operar. Esperamos que isto venha a ocorrer.
Mundirama Turismo Ltda. cujo lema é: turismo feito com arte, técnica e muita emoção, passa a ser exemplo de anti-qualidade, desrespeito ao cliente e desserviço prestado ao país.

JUAREZ DE SIQUEIRA BRITTO WANDERLEY, 65, é vice-presidente industrial da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) e diretor regional do CIESP em São José dos Campos

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