São Paulo, segunda-feira, 8 de janeiro de 1996
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Xô Satanás

FERNANDO MOLICA

RIO DE JANEIRO - Espécie de grito de guerra de alguns setores evangélicos, o "xô Satanás" não resistiu à tendência brasileira de carnavalizar qualquer tema.
A expressão deixou os templos, subiu em trios-elétricos, ganhou ruas e paradas de sucesso. Isto, na forma de um destes frevos baianos que costumam morrer antes do fim da Quaresma.
O refrão acabou tendo sentido oposto: no Rio, foi utilizado até como provocação aos milhares de fiéis que, anteontem, dirigiam-se à passeata organizada pela Igreja Universal do Reino de Deus.
Sejam quais forem as intenções dos autores do frevo, vale ressaltar o mérito de colocar na chamada boca do povo uma expressão que, como aquela antiga esponja de aço, parece ter mais de mil utilidades. Na pior das hipóteses, é ótima para substituir um palavrão.
Lá no Planalto, por exemplo: Sivam? Pasta cor-de-rosa? Ajuda oficial a bancos quebrados, brigas com o PFL, rusgas com o Congresso? Xô Satanás. Xô também para os ratos que, metaforicamente, insistem em rondar o palácio presidencial.
Por aqui, no litoral: cidade esburacada por um prefeito que teima em refazer calçadas? Salários miseráveis para os professores? Governante que condiciona o fim das enchentes à sua reeleição? Tortura e assassinato de presos em delegacias? Assaltos, sequestros? Médicos que faltam aos plantões de Natal e Ano Novo? Xô para vocês todos.
Vale também para a TV: de um lado a Globo, do outro a Record -ambas, cheias de fé, gritando, uma para a outra, a mesma expressão: "Xô Satanás".
Pode não resolver nada, nosso demônio de ocasião pode não dar a mínima para a tentativa de exorcismo. Mas a brincadeira serve para amenizar um pouco a frustração de, entra ano e sai ano, ser obrigado a discutir velhas questões que insistem em tentar parecer novidade.
Temas como projetos suspeitos, fisiologismo, financiamentos irregulares a políticos, guerra supostamente santa e investimento em obras de fachada -isto, em um país que nega direitos básicos aos seus habitantes. Xô Satanás.

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