São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A reforma da previdência volta à pauta

REINHOLD STEPHANES

O Brasil aguarda uma decisão do Congresso sobre a emenda constitucional de reforma da Previdência Social. Não se trata de uma reforma estrutural, no sentido clássico. Não é a reforma que deveria ser feita. Levei em conta o bom senso e o realismo para propor um ajuste aceitável, necessário e inadiável.
Nesse particular, o projeto de reforma do deputado Eduardo Jorge, do PT, era um pouco mais radical. O ajuste tem como objetivos imediatos:
- assegurar aos atuais e futuros aposentados e pensionistas o recebimento de seus benefícios;
- corrigir injustiças e iniquidades, especialmente nos regimes paralelos;
- devolver à União, aos Estados e municípios a capacidade de investimento;
- criar, através da previdência complementar dos fundos de pensões, instrumentos de poupança, indispensáveis ao desenvolvimento.
O presidente FHC compreendeu o alcance e a necessidade da reforma. Outros ministros, como ex-ministros da Previdência, defenderam-na, principalmente porque a questão da Previdência deixou de ser só de previdência (demográfica, atuarial, financeira) para também se tornar uma questão fiscal.
O projeto do governo foi submetido ao Congresso, com a afirmação incisiva de que não era definitivo, embora inspirado na boa técnica e na boa doutrina, universais. Poderia sofrer aperfeiçoamentos nas negociações que o Congresso faria com a sociedade. Os aperfeiçoamentos foram feitos e agora o projeto está pronto para ser votado.
Coloquei e coloco à disposição do Congresso uma base de dados para comprovar que a proposta tinha princípio, meio e fim. Estava correta, e nesse sentido não sofreu qualquer contestação. Nenhum especialista em previdência social apontou uma só falha. Alguns pontos, entretanto, merecem agora ser destacados:
a) As críticas feitas à reforma não consideram com profundidade as questões técnicas e doutrinárias, bem como as projeções demográficas. Não está fácil mobilizar pessoas para ser contra a realidade. Invocam a situação da França, que não tem correlação com a nossa já que a França tem uma previdência organizada dentro da doutrina universal e o Brasil, com suas centenas de regimes paralelos e critérios especiais, se apresenta ao mundo com uma previdência caótica;
b) Nove em cada dez artigos, editoriais e comentários da mídia brasileira são a favor da reforma, sem que haja uma ação coordenada para isso. É que as pessoas se convenceram rapidamente que os privilégios e injustiças dos regimes paralelos não podem se perpetuar. O dinheiro dos impostos não reverte em benefícios para a sociedade, mas só dá paga para servidores trabalhando e aposentados.
Exemplos críticos: 1) o Ministério dos Transportes precisa de R$ 2 bilhões para consertar as estradas brasileiras em 96. Não terá. A União vai gastar R$ 40 bilhões com a folha, 20 vezes mais; 2) em 95, 16 Estados não pagaram o 13º, quem poderá imaginar como será 96?; 3) há Estados que estão gastando 100% do que arrecadam com a folha e em outros os aposentados já custam mais de 50% da folha.
c) Alguns grupos que estão contra a reforma passaram a representar as novas oligarquias corporativas que se cevam e se alimentam de privilégios. Defendem os que se aposentam cedo, trabalham pouco, contribuem quase nada e têm aposentadorias elevadas nos regimes paralelos. Tudo com base no tempo de serviço, na contagem recíproca, nos tempos fictícios, nas vantagens específicas e até múltiplas aposentadorias.
d) Nenhum dos atuais 15,7 milhões de aposentados do INSS será prejudicado pela reforma.
Espero, sinceramente, que a Câmara e o Senado resistam às pressões e aos interesses dos que defendem privilégios. Aposentadoria por tempo de serviço é privilégio. Só o Brasil e meia dúzia de países a mantém. O Brasil já teve idade mínima e a idade mínima é fundamento universal de previdência. A sociedade brasileira não suporta um contingente de 2 milhões de pessoas que se aposentaram com menos de 50 anos e há 8 milhões no mesmo caminho!
Hoje a reforma ainda pode ser feita garantindo direitos. Amanhã, correremos o risco de fazermos a reforma sem direitos. Já disse em diversas oportunidades que a reforma não será feita para prejudicar ninguém. Não há qualquer espírito de maldade na proposta.
Afirmar que o sistema INSS tem superávits ou aguenta mais alguns anos é meia verdade; contar com o combate à sonegação e à inadimplência é desconhecer que o INSS cobra, as empresas protelam e as leis e a Justiça retardam a cobrança; pedir a venda do patrimônio imobiliário para pagar benefícios é subestimar uma questão séria; pedir administração tripartite ou sindical é assunto a ser tratado na legislação ordinária.
É importante ressaltar que falar em equilíbrio econômico-financeiro implica em se estabelecer a nítida diferença entre o regime INSS e os paralelos vinculados à União, Estados e municípios. O INSS sobrevive mais alguns anos em equilíbrio frágil. Necessita da reforma porque seus efeitos só se darão a médio e longo prazos. Os regimes paralelos, que na soma gastam mais do que o INSS, precisam da reforma urgente para que essas entidades possam cumprir com suas obrigações.
A Previdência vem sendo administrada com responsabilidade. Desde 92, em termos gerenciais, nos empenhamos em modernizá-la e torná-la mais eficiente, fiscalizando, cobrando e arrecadando mais, combatendo fraudes, aperfeiçoando a legislação, pagando os passivos legais, informatizando os postos, concedendo benefícios e baixando o tempo de concessões e reduzindo custos.
A reforma exige reflexão e maturidade dos brasileiros. Cumpro minha missão ao defendê-la com seriedade e determinação.

Texto Anterior: O CHARME DA FAMA; NOVO EM FOLHA; CARDÁPIO
Próximo Texto: Brasil e China: um exercício de Tai Chi?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.