São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
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Brasil e China: um exercício de Tai Chi?

CLÓVIS BRIGAGÃO

Após uma prolongada quarentena feita pelo Brasil em relação às inúmeras visitas dos mais altos dirigentes chineses ao nosso país nos últimos anos, a recente visita do presidente FHC teve o objetivo de recuperar um pouco esse chegar atrasado às portas do novo e imenso socialismo de mercado, de fabricação própria, enfrentando competidores internacionais mais calejados e experientes.
Na riqueza da língua chinesa, "tai chi" é, figurativamente, o exercício da construção da viga-mestra, que sustenta todo o resto de um corpo, de um projeto ou de uma relação entre parceiros. O Brasil não levantou ainda com mais firmeza sua viga a fim de potencializar as oportunidades de negócios, investimentos e cooperação com a China.
A dimensão da diplomacia econômica é hoje considerada vital. Mas o nosso comércio bilateral é irrisório (US$ 1,4 bilhão) diante das dimensões e grandezas das duas maiores nações em desenvolvimento no hemisfério oriental e ocidental, totalizando 1,4 bilhão de habitantes e um PIB conjunto de cerca de US$ 1,5 bilhão. No plano político, Brasil e China procuram uma ação convergente nos fóruns multilaterais da nova ordem internacional.
O que impressiona na China são os gigantescos esforços para erguer essa nova viga, tanto interna como externamente. Em Pequim, como pude observar, há um frenesi de modernização (infra-estrutura, comunicação, construção civil -quarteirões inteiros com prédios dos anos 50 são demolidos para dar lugar a novíssimos condomínios residenciais, tanto para a nova classe média de "empresários" emergentes como para trabalhadores que entram na economia de mercado).
Em menos de cinco anos Pequim passou a ter um trânsito intensíssimo de carros importados, disputando os espaços com os milhares de tipos de bicicletas, triciclos e pedestres. O transporte público ficou velho e enfraquecido diante do novo ritmo. Lentidão e velocidade nas iniciativas de reformas parecem conviver pacificamente, mas de maneira engraçada e meio tumultuada, sustentada pela milenar e sábia paciência.
A relação dessa ultramovimentada projeção do poderio econômico internacional com o regime comunista do PCC (Partido Comunista Chinês), a partir de uma sociedade em parte quieta e em parte exultante pelos resultados que se anunciam com as reformas, aparentemente ainda está sob controle.
Até quando o impulso vertiginoso e multiplicador das reformas econômicas, que alimenta as mais variadas demandas sociais, e o comando único do Partido Comunista Chinês vão conviver é algo que ainda não se pode fazer uma previsão sem cair em futurologia barata e desastrada. De qualquer forma a milenar história chinesa foi sempre marcada por lutas intestinas de poder, muitas delas violentas.
Por ora, a situação no topo da estrutura política não dá sinal de conflito aberto ou de direções desencontradas. No meio da hierarquia do poder político há, contudo, sinais de que, pela abertura econômica, jovens dirigentes constróem uma atitude e uma mentalidade de abertura política e ideológica.
Esse jogo é muito sutil e é feito como no exercício da construção de uma nova viga-mestra. Como parceiros, devemos seguir com atenção esses futuros desdobramentos e buscar uma bem mais orquestrada iniciativa de oportunidades, particularmente na área do intercâmbio cultural, intelectual e acadêmico.
Há um vazio a ser preenchido nessa rica área multidisciplinar da educação e da cultura. O nível de intercâmbio é muito baixo, quando não inexistente. Somos ausentes em programas de intercâmbios com instituições importantes, como o excelente Colégio de Relações Exteriores (Foreign Affairs College) que visitamos, como primeiros acadêmicos brasileiros. Ali se forma a nova elite diplomática e política da China do século 21 e o Brasil, por falta de iniciativas, não mantém nenhuma área de intercâmbio.
Não há nem sequer o ensino de português nem a participação de professores ou estudantes brasileiros, em contraste com uma forte presença de europeus, norte-americanos, asiáticos e até mesmo de países como o México, Chile e Argentina. Para apoiar nosso intercâmbio econômico, empresarial e diplomático não contamos com intérpretes e tradutores do chinês. Essa ausência enfraquece até mesmo o nosso ainda frágil intercâmbio econômico: a construção da viga-mestra, que depende do rico acervo de intercâmbio cultural, está sem a sólida sustentação.
Para os chineses o Brasil é fonte importante de reflexão comparativa e lá somos recebidos com simpático e até fervoroso acolhimento, reafirmando a necessidade de aproximação mais frequente e duradoura. Uma parceria estratégica tem de contar com muito mais programas de intercâmbios, num acerto tripartite: ações e apoios governamentais, empresariais e de instituições educacionais e culturais públicas e privadas. Só assim, como nos delicados movimentos do Tai Chi, iremos consolidando a viga-mestra que os dois gigantes pretendem construir no futuro próximo, e que já se encontra em gestação e desenvolvimento.

CLOVIS BRIGAGÃO, 53, cientista político, é diretor-adjunto do Centro de Estudos Norte-Americanos da Universidade Candido Mendes (RJ).

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