São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 1996
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Coalizão inflacionária

MAILSON DA NÓBREGA

Após 18 meses de sucesso, o Plano Real enfrenta fortes críticas. Os sacrifícios, agora mais visíveis, são maiores do que muitos estão dispostos a aceitar. A reação à política econômica é grande e cheia de adjetivos: irresponsável, suicida, extravagante, desastrosa.
É a coalizão inflacionária. Não tem sede, estatutos ou atas. O movimento é difuso e se apresenta como defensor do crescimento econômico. Defende a desvalorização real do câmbio, a baixa substancial dos juros, linhas de crédito oficial e restrições às importações. Alguma inflação, pode-se concluir, não faria mal.
Esse filme é antigo. Uma das "leis" mais execráveis forjadas nos últimos anos foi a de que precisávamos de um pouco de inflação para promover o desenvolvimento.
Em várias ocasiões, a "lei" acarretou desequilíbrio interno derivado de subsídios creditícios, incentivos fiscais, reservas de mercado e outras ações em "prol" do desenvolvimento. A inflação resultante era perdoada pela religião do progresso.
O modelo deu certo no passado. Contribuiu para a formação de uma base industrial complexa e de uma agricultura diversificada. Estava, contudo, condenado à exaustão, em face de seus mais perversos efeitos colaterais: a concentração de renda e a ineficiência.
A sobrevivência do modelo exigia taxa de câmbio e reajustes de preços internos no mesmo ritmo do crescimento dos custos de produção. Havia pouco lugar para questões básicas como produtividade e competição.
Induzida pela sabedoria convencional, a sociedade se adaptou à inflação, em vez de abominá-la. A indexação generalizada da economia era o anestésico que permitia ao país crescer à custa dos pobres.
O processo se tornou explosivo na década de 80, agravado por dois acontecimentos nefastos: a crise da dívida externa e a destruição do regime fiscal pela Constituição de 1988.
Uma solução duradoura demanda, como sabemos, reformas para rever o papel do Estado, reduzir dramaticamente a ineficiência e restaurar a capacidade de gestão macroeconômica.
Para realizar as reformas na velocidade desejável, o sistema político deveria exibir eficiência decisória similar à de países que viveram situações parecidas. Entretanto, depois do êxito na ordem econômica, em parte por conta da natureza plebiscitária das propostas, as reformas (agora complexas) andam a passo de cágado.
Estão aí as dificuldades. O Plano Real ainda é um empreendimento capenga. Funciona apenas a perna das políticas de câmbio, comércio exterior, crédito e juros. A perna fiscal, ao que tudo indica, vai demorar a aparecer.
Seus custos temporários são, por isso, excessivos: crescimento medíocre, aumento de desemprego, ampliação das insolvências e risco de crise sistêmica no mercado financeiro. Em compensação, a estabilidade produz o apoio social para as reformas.
A saída cômoda seria ceder às pressões. Não faltaria quem elogiasse. A coalizão ensarilharia armas. O presidente seria visto pelos críticos como um estadista que se opôs à insensatez. A conta do eventual fracasso seria paga pelos desvalidos.
A alternativa difícil é a da resistência. Gera desgaste político. A coalizão se fortalece com a insatisfação do empresariado e dos trabalhadores desempregados, bem assim com os erros do governo, que tendem a aumentar quando não se dispõe de todos os instrumentos.
Desta vez, há uma razão a mais para resistir: o povo. Como a Folha mostrou em sua edição de 31 de dezembro, 72% julgam o Plano Real bom para o país. É o mesmo nível do mês de lançamento do plano. Isso depois de Sivam, pasta rosa, ataques de velhos caciques e anúncios de crise por analistas de economia.
É preciso, todos sabem, baixar os juros e evitar o desequilíbrio externo. Deve-se buscar a estabilização aos menores custos possíveis. Há que se levar em conta a crítica.
É cedo, todavia, para condenar a política econômica. Principalmente se o retrocesso for baseado no argumento cretino de que a inflação é o "combustível" do crescimento.
Desistir agora seria correr o risco de desperdiçar a grande fonte de legitimidade política: a estabilidade da cesta básica e seus efeitos em favor das classes menos favorecidas da população.
A sociedade não compra mais a surrada justificativa para a inflação. Essa é a nova e auspiciosa realidade. O resto é cortina de fumaça do jogo do poder.

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