São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 1996
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Prioridade: Construir o capital social

HENRIQUE RATTNER

Em conferência internacional recentemente realizada pelo Banco Mundial em Washington (EUA), (International Conference on Effective Financing of Environmentally Sustainable Development), entre vários comunicados surpreendentes sobre as novas diretrizes de apoio e financiamentos do banco a programas de desenvolvimento, de ONGs (Organizações Não-Governamentais) e de projetos em pequena escala, o que mais impressionou foi o de um alto funcionário da entidade promotora do evento.
Entre os países candidatos a empréstimos e financiamentos do BM, a China e o Vietnam ocupariam os primeiros lugares em termos de preferência para a concessão de recursos. Pressionado para explicar o aparente paradoxo -trata-se de dois países de economia "socialista", com forte dirigismo estatal-, as respostas certamente não carecem de coerência lógica, mesmo quando vêm do banco padrão, da citadela do mundo capitalista são os países que oferecem mais segurança em termos de aplicação racional dos recursos e, portanto, prometem o resgate e o cumprimento dos demais termos contratuais, por causa da estabilidade de seu sistema político, da credibilidade de seus governantes e do elevado grau de solidariedade das respectivas populações.
Apesar da abertura, parcial, gradual e seletiva, de seu mercado aos investimentos estrangeiros, os governos da China e do Vietnam mantêm o controle político não somente sobre a economia, mas também sobre as outras esferas da vida social e cultural.
Não pretendo reabrir aqui a discussão bizantina e escolástica sobre o Estado versus o mercado. A construção da sociedade sustentável requer uma combinação, variável de acordo com o estágio de evolução histórica alcançado por cada país, de um certo grau de planejamento, coordenação e orientação centralizados, com o máximo de liberdade, participação e autonomia de indivíduos e comunidades. Uma das consequências desse sistema seria a inviabilização de operações lesivas ao patrimônio público e à coletividade, do tipo de privatizações, em nome da liberalização da economia, que deram margem a manobras financeiras escusas -aquisições com moeda "podre", preços abaixo do valor real dos ativos transacionados, transferência e concentração de recursos produtivos para poucos bancos e fundos de investimentos- os quais ainda que "legais", deixaram inúmeras suspeitas sobre favorecimento e enriquecimento ilícito de alguns, em detrimento da maioria.
Os ganhos (duvidosos!) em termos do orçamento fiscal da União, certamente não compensam as perdas líquidas de capital social, ou seja, da coesão e solidariedade do povo brasileiro. E conforme vimos acima, são as sociedades mais coesas, solidárias e, por isso, politicamente estáveis, que reúnem hoje as preferências dos investidores internacionais!
Cabe aqui um esclarecimento aos leitores sobre a conotação de capital social. Concebido por analogia com o capital físico e capital humano que representam os equipamentos e treinamentos específicos resultando em aumentos da produtividade individual, o capital social nos remete às características culturais da estrutura social, tais como as atitudes, normas e valores, as associações e redes formais e informais que estimulam o engajamento, a identidade, a lealdade e a cooperação em escala micro e macro da sociedade.
A interação baseada em confiança mútua e respeito aos "outros" cria um clima de expectativas e de responsabilidade dos cidadãos dispostos a assumir a sua quota de sacrifícios, à condição que estes, bem como os eventuais benefícios, sejam distribuídos equitativamente, facilitando assim, a tarefa de coordenação dos poderes públicos.
Para construir uma sociedade sustentável, não bastaria aumentar o PIB, pois seus efeitos podem agravar ainda mais a iniquidade social. Tampouco podemos contentar-nos com o reducionismo dos ambientalistas que apostam em tecnologias de produção e formas energéticas mais limpas. Ainda que condições necessárias, não seriam suficientes.
Todas as propostas e programas de "desenvolvimento" -reforma fiscal, política cambial, taxa de juros, conservação do meio ambiente, educação, habitação, transporte e saúde- devem ser avaliados por sua contribuição à formação do capital social, ou seja, a mobilização e motivação da população, hoje passiva, frustrada e desesperançosa. Até quando?

O artigo "Privatização e Capitalismo Popular", de Valdo Sarquis Hallack, foi publicado postumamente nesta seção, ontem.

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