São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1996
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Jantar reúne ex-presos políticos no Rio

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

A noite de hoje marcará o reencontro de representantes de um grupo que, há exatos 25 anos, foi reunido no então aeroporto do Galeão, no Rio, para um vôo especial: o de banimento de 70 presos políticos brasileiros para o Chile.
Eles foram libertados em troca do embaixador suíço no Brasil, Giovanni Enrico Bucher, sequestrado por militantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) em dezembro do ano anterior.
Na lista estão representantes de sete organizações clandestinas de esquerda -quase todas envolvidas na luta armada contra o regime militar.
A grande maioria ficou no Chile até 1973, quando um golpe militar depôs o governo de esquerda do presidente Salvador Allende. No golpe foi morto o último da lista, Wanio José de Matos, assassinado no Estádio Nacional de Santiago. Os outros 69 foram obrigados a uma nova fuga. A maioria foi para a Europa. Quase todos voltaram ao Brasil depois de 1979, quando houve a anistia.
Alguns tentaram voltar antes para reintegrar-se à luta armada e foram mortos: foi o que aconteceu com os irmãos Daniel, Jairo e Joel Carvalho e com João Batista Rita. Um quarto irmão Carvalho, Derly, também estava no vôo e mora hoje em São Paulo.
"Ele já estava muito deprimido durante o vôo", diz Jean Marc von der Weld, 50, que viajou algemado ao frade. Von der Weld foi preso quando era presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes).
Ele lembra que o vôo para o Chile durou cinco horas. "Nós viajamos algemados e vigiados por policiais federais. Um comissário de bordo serviu suco de laranja aos policiais. Nós não conseguimos beber nem um copo d'água", diz.
Filiado ao PSB, ele trabalha hoje na AS-PTA, uma ONG (organização não-governamental) de assessoria e projetos de agricultura alternativa.
Outro integrante do grupo, Reinaldo Guarany, 50, ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), conta que eles souberam do sequestro por um rádio que ele fez na cela.
Guarany já tinha participado de um assalto a banco, que terminou com a morte de um policial, e de outro sequestro, do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben (leia texto ao lado). Hoje, Guarany é escritor e artista plástico.
Amigo até hoje de Guarany, Francisco Roberval Mendes conta que "um dia, na cadeia, o Guarany roubou a 'mulher' de outro preso: a foto de uma mulher nua que o outro deixava sobre a cama". "Deu uma confusão danada", lembra.
Mendes trabalha como chefe de gabinete da liderança do PSB na Assembléia Legislativa do Rio.
A aposentada Carmela Pezzuti, 69, não vai à festa de reencontro dos presos políticos hoje, no Rio. "Não poderei ir, mas mandei uma cartinha para eles", disse. Carmela trabalha hoje ajudando a Casa da Vovó, uma creche comunitária em Belo Horizonte.
Ela não votou na última eleição presidencial. "Nas não fui votar porque não acredito muito", afirmou. Carmela deixou o cargo de oficial de gabinete do então governador mineiro Israel Pinheiro para entrar na luta armada em janeiro de 1969.
Aos 43 anos, entrou para o grupo Colina (Comando de Libertação Nacional) para acompanhar os seus dois filhos. Presa em Belo Horizonte, mas libertada por falta de provas, foi para o Rio, onde foi novamente presa.
Libertada em troca do embaixador suíço, ela se exilou com os filhos no Chile e depois em Paris.

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