São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1996
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Ênio Silveira morre aos 70 anos no Rio

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O editor Ênio Silveira, 70, morreu anteontem à noite no Rio em consequência de um edema pulmonar. Silveira dirigia desde 1951 a editora Civilização Brasileira S.A., sempre com uma orientação política de esquerda.
Na direção da Civilização Brasileira, ele aglutinou intelectuais na resistência ao ciclo militar implantado no Brasil em 1964. Era filiado ao extinto PCB (Partido Comunista Brasileiro).
O editor estava em um jantar na casa de amigos no Flamengo (zona sul) quando sentiu-se mal. Socorrido, morreu a caminho da Clínica Pró-Cardíaco, em Botafogo (zona Sul). O corpo foi velado até as 17h no cemitério São João Batista e levado ao cemitério do Caju, na zona Norte, onde será cremado hoje.
Silveira foi responsável pelo lançamento e pela afirmação no mercado editorial de autores como Carlos Heitor Cony, Fernando Sabino, Stanislaw Ponte Preta, Dias Gomes e Antonio Callado.
"Foi não só meu editor, mas meu grande amigo. Esteve comigo e com todos os outros nos piores momentos. Tinha um coração de ouro, tão grande que um dia se cansou de trabalhar", disse Dias Gomes, depois de ir ao cemitério.
Paulista, formado em sociologia, Ênio Silveira integrou a equipe de Monteiro Lobato na Companhia Editora Nacional, em São Paulo, em 1944. Chegou a diretor editorial da empresa e fundou a revista Atualidades Pedagógicas.
Em 1951, mudou-se para o Rio para dirigir a editora Civilização Brasileira, subsidiária da Companhia Editora Nacional.
Em 1966, foi sócio fundador da editora Paz e Terra, com Wilson Fadul e Moacyr Félix de Souza, mas desligou-se da sociedade. Na década de 80, com problemas financeiros na Civilização Brasileira, associou-se a Manuel Boullosa, das editoras Bertrand Brasil e Difel. Silveira deixou de ser acionista majoritário da editora, mas manteve-se como diretor editorial da Civilização Brasileira.
Com o início do período militar, em 1964, Silveira foi perseguido por sua atuação política de esquerda e por publicar livros de escritores considerados subversivos. Em 1968, teve os direitos políticos suspensos por dez anos.
Foi preso sete vezes, processado outras quatro sob acusação de crimes contra a segurança nacional e absolvido por tribunais da Justiça Militar. A editora foi proibida de operar com a rede bancária federal e com todos os bancos estaduais.
Atentados com bomba destruíram a sede da livraria e o depósito de livros. Várias publicações da editora foram proibidas. Doze livros chegaram a ser apreendidos no momento da publicação.
O escritor Antonio Callado, que teve publicados pela Civilização alguns de seus principais livros, disse que Silveira usou uma estratégia para driblar a censura quando editou seu livro "Bar Don Juan", na década de 60. "Ele já tinha editado 'Quarup', em 67, e sabia que o próximo seria complicado. Então distribuiu o novo livro em todo o país, sem propaganda. Quando a polícia chegou à editora, só havia dois exemplares na casa. O livro esgotou em todos os pontos de venda", lembrou Callado.
Numa das vezes em que chegou à casa de Silveira, Callado viu que o amigo estava sendo preso. Segundo ele, Silveira falou em inglês o tempo inteiro e disse aos policiais que Callado era um lorde que o visitava. "Ele nunca perdia a elegância", disse.
O presidente da Academia Brasileira de Letras, Antônio Houaiss, disse que a atuação de Silveira no mercado editorial e na política foi fundamental e que o Brasil deveria decretar luto oficial por sua morte.
"Estou tristíssimo. Eu o considerava um irmão, mesmo sendo dez anos mais velho que ele. E o pior é que eu sinto que houve aí uma injustiça, porque eu deveria ter ido primeiro", afirmou.

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