São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1996
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Liberdades religiosa e de comunicação em confronto

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Tenho sido cobrado para uma opinião a respeito da disputa em que são principais contendores uma rede de televisão e uma denominação religiosa. A questão propõe temas constitucionais. Ambas as atividades, a religiosa e a de comunicações, gozam de completa liberdade em nosso país.
O artigo 5º da Constituição do Brasil garante as duas facções. Seus incisos 4º, 9º e 12 preservam a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato. A expressão intelectual, artística, científica e de comunicação está assegurada, ao abrigo de qualquer censura.
Sua inviolabilidade abrange até a correspondência, a comunicação telefônica e telegráfica, salvo autorização judicial e apenas para investigação criminal ou instrução processual penal.
No âmbito religioso há mais dois incisos dignos de nota, o 6º e o 8º. Ambos afirmam a inviolável liberdade de consciência e de crença. Asseguram o livre exercício dos cultos e garantem, na forma da lei, a proteção aos seus locais e liturgias. Não há privação de direito em virtude de crença religiosa.
As referências constitucionais vão além. O art. 150 proíbe impostos sobre templos de qualquer culto, o patrimônio, a renda, os serviços relacionados com as finalidades essenciais das respectivas entidades. Proíbe também a tributação sobre livros, jornais, periódicos e o papel em que são impressos. No capítulo da comunicação social libera a criação, a expressão e a informação de qualquer restrição. E, por fim, nenhuma lei pode embaraçar a plena liberdade jornalística, em veículo eletrônico ou impresso.
Volto aos personagens principais da luta em desenvolvimento. São titulares de meios de comunicação. São sujeitos em conjunto, ao único limite contido no artigo 220 da Constituição, referente aos incisos 4º, 5º, 10º, 13 e 14 do mencionado artigo 5º. Preservam a manifestação do pensamento, o direito de resposta, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, do exercício profissional e do acesso à informação.
Pronto. O leitor aí tem os principais elementos da Constituição para fazer sua própria avaliação. O leitor pode ter críticas pessoais ao que, eventualmente, considere excessos da liberdade informativa dos jornais, revistas e emissoras ou excessos da liberdade religiosa, com seus cultos e denominações, antigas, como a católica e a protestante, ou modernas que, às centenas, dão força à profecia aparentemente ajustada ao fim do milênio de que muitos se gabariam de falar em nome do Senhor.
A qualificação do que é culto religioso perturba a crítica. Há velhas religiões, como o budismo, o judaísmo. Deste saiu, como ramo dissidente mais importante, o catolicismo, do qual nasceram, em outra dissidência, o protestantismo, atomizado em caminhos diversificados. As ramificações novas sempre geram questões e brigas internas e externas. Cultos recentes descobriram, antes que os tradicionais, a força do rádio e da televisão. Para todos a solução há de ser a da liberdade, nos limites constitucionais.
Quando acontecem crimes, sob a desculpa da liberdade religiosa, devem ser punidos na forma da lei. Mas, cautela! Não custa lembrar que o próprio Cristo foi condenado como delinquente comum. Transformado em vítima, inspirou seus seguidores, o que me faz lembrar o marechal Louis Lyautey, do exército francês, a quem se atribui a frase, que refiro em citação livre: "Se eu fosse comandante romano, teria preso Jesus discretamente. Mandaria matá-lo durante a noite e o cristianismo não teria nascido".

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