São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1996
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Lei dos Juizados Criminais: primeiras questões controvertidas

DAMÁSIO E. DE JESUS; LUIZ FLÁVIO GOMES

DAMÁSIO E. DE JESUS
LUIZ FLÁVIO GOMES
Em torno da lei nº 9.099/95 já estão surgindo inúmeras questões controvertidas. No que concerne ao seu aspecto criminal, impõe-se desde logo acentuar que ela trouxe para o ordenamento jurídico-penal brasileiro quatro novas medidas despenalizadoras.
Duas relacionam-se com as infrações penais de menor potencial ofensivo da competência dos Juizados Especiais Criminais: a primeira é a composição civil do art. 74 e seu parágrafo onde se lê que, na ação penal privada ou pública condicionada, o acordo civil extingue a punibilidade. Na segunda, por proposta do Ministério Público, se não extinta a punibilidade, pode haver transação (aplicação imediata de pena alternativa, isto é, pena restritiva ou multa - art. 76).
As outras duas são a representação nas lesões corporais culposas e leves (art. 88) e a suspensão condicional do processo (art. 89). Todas possuem (também) natureza penal. Logo, estamos diante de lei penal nova mais benéfica, que deve ser aplicada tanto imediatamente, por ser desdobramento dos Direitos e Garantias Fundamentais (CF, art. 5º, parágrafo 1º), como retroativamente (CF, art. 5º, inc. XL).
Considerando que o princípio da retroatividade penal benéfica tem "status" constitucional, viola a lei magna a restrição imposta pelo art. 90 da lei. Não importa se os casos em curso já contam ou não com instrução iniciada; a todos incidem as medidas despenalizadoras retroativamente, pouco importando a fase processual: com ou sem sentença, em grau de recurso etc.
O único limite é o trânsito em julgado, isto é, é impossível aplicar institutos processuais a processo já findo.
A criação dos Juizados Especiais Criminais, visto que envolve matérias de organização judiciária (sua alteração, composição dos juizados, criação de cargos, criação do sistema de juizados), de processo, de procedimento (envio das partes a juízo, existência ou não de plantão) e de competência (territorial, execução), exige, indefectivelmente, lei estadual, sendo que esta tarefa não pode ser usurpada do poder político (Assembléia Legislativa e governador) sob nenhum pretexto.
Mas enquanto não advém a lei estadual, não resta a menor dúvida de que os juízos comuns podem aplicar as quatro medidas despenalizadoras acima enfocadas. O grande teste do novo modelo consensual de justiça criminal, em suma, dar-se-á nos juízos comuns e já a partir da vigência do novo diploma legal. Quando sobrevier a lei estadual, os juízos comuns continuarão aplicando normalmente a suspensão condicional do processo.
No que diz respeito à representação da vítima nas lesões leves e culposas, temos que distinguir os crimes que ocorrerem de 26 de novembro de 95 em diante, que serão regidos integral e exclusivamente pelo CPP (prazo decadencial de seis meses etc). Os cometidos antes dessa data são regidos pelo art. 91, que criou uma verdadeira condição de prosseguibilidade (isto é, sem representação da vítima, que terá trinta dias para decidir, não há prosseguimento, pouco importando a fase processual).

DAMÁSIO E. DE JESUS, 60, procurador de Justiça aposentado do Estado de São Paulo.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 38, juiz de Direito em São Paulo, é mestre em Direito Penal pela USP (Universidade de São Paulo).

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