São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1996
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Diferenças culturais e crescimento populacional

MÁRCIO JOSÉ SANTILLI

A Constituição Federal garante aos índios o direito de usufruto das terras que tradicionalmente ocupam, de modo a viabilizar a vida de cada grupo indígena segundo os padrões culturais que lhes são próprios.
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, ainda segundo a Carta, são aquelas "por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições".
Obviamente os usos, costumes e tradições variam de grupo a grupo. Alguns grupos indígenas, devido a uma agricultura tradicionalmente intensa, são bastante sedentários. Outros têm sua economia centrada na caça e na coleta.
Em virtude disso, esses grupos são bastante móveis. Eles praticam o que se pode chamar de "nomadismo circular", isto é, se estabelecem num determinado ponto e exploram o território até que a caça e os produtos da floresta comecem a rarear. Quando isso ocorre, deslocam a aldeia para outro ponto e assim por diante, podendo voltar ao ponto de origem em ritmos que dependem da generosidade do meio ambiente e da velocidade com que este se recompõe. Esse é o caso típico dos ianomamis.
Fatores históricos que escapam à atual diretoria da Funai contribuíram para que o mesmo tratamento não fosse dispensado a outros grupos indígenas, embora pudessem ser tão móveis quanto os ianomamis. Ocorre que até pouco tempo atrás a Funai era sujeita a uma política antiindígena. Em função dela vários grupos indígenas foram deslocados de suas terras de origem, sendo assentados em áreas menores. O resultado mais dramático disso é o caso dos índios kaiowás, de triste fama, devido à alta incidência de suicídios entre eles.
Ao analisarmos a extensão das terras indígenas devemos levar em conta que elas são de usufruto coletivo, e não podem ser vendidas. Se se tornam pequenas com o crescimento populacional, os índios não podem vendê-las para comprar outras terras. Uma vez demarcada uma área, os índios ficam ali confinados. Por isso é preciso considerar o crescimento populacional futuro. A demarcação de terras como a dos ianomamis visa evitar que se multipliquem os casos como o de Mato Grosso do Sul.
Uma forma convincente de mostrar que as terras indígenas não são superdimensionadas é comparar as da Amazônia com as do resto do país. Na região amazônica estão 98% da superfície total de terras indígenas do Brasil. A população indígena dessa região representa 60% do total de índios do país. Os outros 40% da população indígena vivem em apenas 2% da superfície total de terras indígenas.
A extensão das terras indígenas na Amazônia decorre das características da região. A floresta tropical impôs uma ocupação extensiva. Durante muitos anos as terras indígenas da Amazônia permaneceram intocadas pelas frentes de expansão da sociedade nacional.
Isso viabilizou a demarcação de terras na justa medida da ocupação indígena. Já no restante do país, alvo de uma ocupação intensiva por parte dos brancos desde os primeiros tempos da colonização, temos terras indígenas extremamente reduzidas, que não garantem aos índios a sobrevivência segundo seus próprios padrões culturais. Em suma, não há superdimensionamento de terras indígenas no Brasil.

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