São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Fora do mapa

MARCELO LEITE
A FOLHA COMEÇOU O ANO MALTRATANDO SEUS LEITORES.

No domingo passado, o golpe foi duplo. Primeiro, o mapa distribuído com o fascículo dos "Roteiros Turísticos Fiat/Folha-Brasil", que marcou a "rentrée" da coleção, suspensa durante as festas. O segundo veio na Revista da Folha.
Odômetro maluco
O mapa rodoviário foi apresentado na Primeira Página do último domingo como um "presente". A julgar pelas queixas ao ombudsman que provocou, um presente de grego: nove leitores ligaram ou escreveram. Eram dois os tipos de reclamação:
* Omissão de cidades - Cinco pessoas disseram-se decepcionadas pelo fato de suas cidades terem sido riscadas do mapa. Argumentaram que, por seu tamanho e/ou importância turística, as localidades deveriam figurar nele. Eis as cidades de onde vieram as queixas: de Minas Gerais, Itabira, Areado e Piumnhi; de São Paulo, Rifaina; e do Paraná, Jacarezinho.
Ricardo Gandour, 33, diretor-adjunto da Publifolha, divisão de publicações da Empresa Folha da Manhã S/A, justifica a ausência das cidades dizendo que o mapa "é de locomoção básica pelo país, já que os detalhes turísticos (inclusive como chegar) e o serviço completo estão nos 'Roteiros Turísticos'; o mapa é um apoio aos roteiros". As cidades incluídas o foram em função da escala e de terem sido citadas nos fascículos.
Em outras palavras, concluo, o mapa só serve para quem estiver fazendo um dos percursos indicados na coleção. É óbvio que a publicidade do produto -perdão, do presente- não se preocupou em ressaltar essa limitação. Além disso, cabe dizer que parece estranho um mapa turístico brasileiro deixar de trazer Itabira, a cidade de Carlos Drummond de Andrade.
* Erro em distâncias - Os outros quatro queixosos apontaram algo ainda mais grave. Havia erros na tabela das distâncias entre cidades, como Londrina-Maceió, listada com 1.193 km (quando o próprio "Novo Manual da Redação" da Folha aponta 2.860 km). Um leitor chegou a fazer uma relação com a dezena de equívocos que pôde identificar.
Na realidade, foram centenas de falhas. Precisamente, 423 distâncias erradas, ou 14% da tabela. Um verdadeiro samba do cartógrafo doido, mas nada que uma boa revisão não pudesse detectar.
Os erros resultaram, segundo Gandour, de um "problema técnico" no processamento gráfico por computador, que provocou a repetição de dez linhas inteiras.
"É claro que o leitor não tem nada a ver com isso. Vamos publicar uma errata até o final da coleção. O leitor não será prejudicado" -promete Gandour. Ele esclarece que o mapa foi encomendado pela Folha à editora Hólon, "que tem mais de 20 anos de experiência em cartografia".
A solução da errata parece insuficiente, para dizer o mínimo. Uma tabela de distâncias com 14% de erros é 100% inepta e inútil. A cada informação consultada, surgirá sempre a dúvida da veracidade. Do ponto de vista da informação, não há outra medida aceitável senão reimprimir o mapa.
Efeito paella
Outra coisa chamava a atenção na Folha de 7 de janeiro: a tiragem. No primeiro domingo do ano após as festas, ela ficou em 986.039 exemplares. Um número ainda portentoso, mas 22,3% menor do que a cifra de 1.269.782 cópias impressas em 8 de janeiro do ano passado.
O fenômeno é conhecido, como contou no 2º Fórum Folha de Jornalismo e Mídia o jornalista espanhol Ángel Luis de la Calle, responsável pelos fascículos no diário "El País". O mercado espanhol, depois de sete anos de embriaguez, dá sinais de saturação com os "coleccionables", apesar de sua crescente sofisticação. A relação custo/benefício (investimento/ganho de circulação) tende a deteriorar-se.
Os editores brasileiros ainda não lançaram a carta da empetecação dos fascículos. Muita coisa ainda virá pela frente.
É com alguma tristeza que se impõe a previsão. Não pelos fascículos em si, que não chegam a ser um mal, mas porque a experiência de outros países dificilmente será aproveitada.
Muita energia ainda será dissipada numa estratégia que tem os dias contados. Energia que deveria estar sendo aplicada naquilo que ainda faz a substância dos jornais: jornalismo.
Para o espaço
É muito relativa a disposição da Folha para manter a atitude de transparência perante seus leitores preconizada no "Novo Manual da Redação" (pág. 22). Como toda empresa, tende a seguir o axioma de Ricupero (o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde), mas ganharia muitos pontos em credibilidade se tomasse com maior frequência a iniciativa de tornar públicas suas decisões que possam prejudicar leitores.
Era bem previsível, por exemplo, a reação negativa dos leitores da Revista da Folha às modificações introduzidas com o Ano Novo. Para quem não se deu conta, ou não tem acesso a essa publicação encartada na edição de domingo, explico: no último dia 7, a revista deixou de publicar a coluna de Marilene Felinto ("Adrenalina"), palavras cruzadas e horóscopo.
A explicação chegou ao público só quatro dias depois, na quinta-feira. Três cartas de leitores foram editadas no Painel do Leitor, acompanhadas de uma lacônica Nota da Redação: "A coluna (...) de Marilene Felinto passa a sair no caderno São Paulo. 'Horóscopo' e 'Palavras Cruzadas' cedem espaço para uma reformulação editorial da Revista".
Não é grande coisa, em matéria de satisfação. Mas é melhor que nada, obriga-me a dizer minha porção Pollyanna.

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