São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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O que deve ser louvado

JANIO DE FREITAS

Com atraso de uma semana, pela qual peço desculpas, convido o leitor a partilhar congratulações ao presidente Fernando Henrique e ao ministro Bresser Pereira, da Administração, em reconhecimento ao despertar, já inesperado, de suas memórias.
No final da semana passada, os dois lembraram-se de diminuir um pouco o que a Legião Brasileira de Assistência, que os dois extinguiram há mais de um ano, continuou custando aos cofres públicos por falta de providências dos seus demolidores. Reativadas as memórias, foram dispensados 338 ocupantes de cargos de confiança na LBA, que tinham salário médio de quase R$ 4 mil (o quadro era de 1.100 cargos de confiança). Pouco antes, foram demitidos 26 superintendentes estaduais.
Assim velozmente cuidadoso na economia com o dinheiro público, o governo merece ser louvado. Ou não?
Três em um
O ministro Andrade Vieira, da Agricultura, criticou a altitude dos juros e isso deu manchetes que acabaram levando a uma conversa do presidente com seu auxiliar, aparentemente para pedir-lhe que evitasse mais críticas.
Menos de 72 horas depois, o ministro Sérgio Motta, das Comunicações, faz a mesma crítica aos juros, mas isso não resulta em mais do que mínimos resgistros jornalísticos, nos casos que chegaram a fazê-lo.
Esta distinção figura de três maneiras diferentes na nomenclatura do jornalismo brasileiro. Em alguns meios de comunicação, é a imparcialidade; em outros, a objetividade; em outros mais, a independência.
Todos por um
Agora que a nomenclatura está mencionada, fica ao seu critério de leitor dar a denominação que preferir, depois de responder a esta pergunta: como seria tratado pelos meios de comunicação o acordo que, nos mesmos termos do feito em torno do Banespa, fosse, porém, com o banco de um Estado nordestino? Ou mesmo de qualquer outro Estado que não São Paulo?
O governo federal ficou com três aeroportos que nunca precisou possuir, três pepinos que nada lhe renderão; entra com R$ 7,5 bilhões que receberá (?) em 30 anos com juros de 6% ao ano, ou seja, taxa inferior a uma semana de juros reais; faz o BNDES ficar com a bomba da Fepasa por R$ 3,6 bilhões; e nem a volta dos tão atacados subsídios, óbvios e enormes neste negócio, suscita a menor restrição.
A montanha de bilhões federais sairá, para a tranquilidade do governo peessedebista-paulista, do dinheiro recolhido no país inteiro. Um belo acordo, sem dúvida.
Contas oníricas
O convertido Ciro Gomes manifesta-se, em Recife, contra a aposentadoria por tempo de serviço, 35 anos para os homens e 3O para as mulheres. Seu argumento é fulminante: o assalariado "passa pouco tempo contribuindo e passa muito tempo, 40 anos ou 35 anos, recebendo (aposentadoria). Como é que pode?"
Como o tempo médio de vida dos brasileiros é de 68 anos, temos que os aposentados conhecidos pelo ex-ministro do Plano Real chegam à aposentadoria com 28 a 33 anos de idade.
Nem o ministro da Previdência, o Reinhold Stephanes que quer a idade mínima de 60 anos para aposentadoria, realizou a proeza imaginada por Ciro Gomes -antes precisou entrar nos 40. Na prática de um e na imaginação de outro, até que não divergem muito. Mas idênticos, mesmo, ficam na lucidez das reflexões e na seriedade das conclusões.

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