São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Verdoorn e o "custo Brasil"

EDWARD J. AMADEO

Segundo a lei de Verdoorn, popularizada por Nicholas Kaldor há mais de duas décadas, o crescimento econômico conduz simultaneamente ao crescimento do emprego e da produtividade.
Quando a economia cresce, produz-se mais com as mesmas máquinas e equipamentos, aumentando a produtividade e reduzindo os custos. Há também ganhos que se perpetuam no tempo, uma vez que, com crescimento, há novos investimentos, acompanhados de inovações técnicas, que aumentam a produtividade.
Pode-se acoplar à lei de Verdoorn o efeito Salter, segundo o qual, com o aumento de produtividade e redução de custos e preços, expandem-se a demanda e as vendas, além de crescerem a competitividade e as exportações.
No fundo, a lei de Verdoorn e o efeito Salter referem-se a um círculo virtuoso em que o crescimento econômico gera ganhos de produtividade, os quais, por sua vez, engendram o crescimento econômico.
O Brasil poderá entrar num círculo virtuoso nos próximos anos, mas a porta de entrada não será o crescimento econômico. Face ao fio da navalha entre a estabilização e o crescimento, devido à restrição externa, a economia brasileira deverá crescer pouco em 1996 e talvez mesmo em 1997.
Esse cenário resulta da opção de obter rápido e momentoso sucesso no combate à inflação, com o aprofundamento da abertura da economia e apreciação do câmbio. Sendo benevolente, pode-se admitir que talvez esse fosse o único caminho, mas não há maneira de provar ou refutar essa hipótese.
Seja como for, aí está o fio da navalha. O México não foi capaz de manter-se sobre o fio e o país passa por uma prova de fogo. A Argentina balança, mas não cai. México e Argentina perderam o passo no círculo de Verdoorn-Salter.
O Brasil aprendeu com a experiência dos outros. Ao contrário da Argentina, opera com um sistema de câmbio flexível e ajustou o nível de atividades muito antes que os números do déficit em conta corrente acendessem o sinal vermelho.
Se não será possível entrar no círculo virtuoso por meio do crescimento econômico, a alternativa será entrar por meio da redução de custos. Isto é, adaptando os preços domésticos ao novo patamar cambial.
Daí porque o governo insiste na redução do "custo Brasil". O objetivo é reduzir custos, aumentar a competitividade da indústria e agricultura e, com isso, comprar um ticket para o crescimento sem constrangimento externo.
Não é que as exportações puxarão o crescimento. Apenas, com mais exportações, será possível aumentar as importações e, com isso, crescer sem restrições externas.
O problema com o "custo Brasil" é que ele não cairá rapidamente. É difícil reduzir custos numa economia semi-estagnada. Membros do governo crêem já haver evidências de redução do "custo Brasil". Outros vêem no corporativismo e falta de competência empresarial as causas da rigidez do "custo Brasil". Nada que um pouco mais de pressão cambial não resolva.
A principal evidência de redução do "custo Brasil" é o crescimento da produtividade do trabalho, que teria crescido 7% ao ano desde 1991. Tenho colocado em dúvida esses números. Não é que não tenha havido aumento da produtividade e da eficiência. Mas não na proporção que dizem os números mencionados.
Por um erro metodológico -o de usar-se o valor bruto da produção e não o valor agregado no cálculo da produtividade- é possível que as estimativas estejam grosseiramente superestimando os ganhos.
Os encargos sobre a folha de salários são vistos como um peso para o "custo Brasil". O desconhecimento da matéria faz membros do governo repetirem que é preciso desonerar a folha.
Mas supondo-se que os encargos sejam 100% dos salários diretos, uma redução de 10% não diminuirá mais do que 5% os custos trabalhistas. Uma redução de 20% diminui os custos em 10%, embora nesses níveis já estejamos entrando na zona de impasse entre Executivo e Congresso.
O mais incrível, porém, é que, com a relação salário-câmbio crescendo 50% acima do salário real desde meados de 1994, devido à apreciação cambial, algum economista sério tenha a coragem de dizer que o problema esteja nos encargos sobre a folha.
A taxa de juros é o outro "bode espiatório" para a rigidez do "custo Brasil". Os juros seriam altos porque falta credibilidade ao governo, fazendo com que os tomadores privados exijam remuneração adequada ao risco, ou porque ainda não houve o ajuste fiscal.
Nem um, nem outro. Os juros são altos porque há uma restrição externa. Com juros elevados, os exportadores antecipam o fechamento do câmbio, compensando a apreciação cambial; e as reservas, que são muito líquidas, permanecem no país. Por isso os juro são altos e devem permanecer altos.
Culpa-se também o custo tributário. Aqui há várias questões em jogo. Em primeiro lugar, é preciso uma reforma tributária que não reduza a receita, porque num país com a distribuição de renda do Brasil, a única forma de redistribuição é por meio de gastos públicos e transferências.
Segundo, é preciso uma reforma que não recentralize as receitas, uma vez que a eficiência do gasto público exige descentralização dos gastos. Mas as propostas sobre a mesa correm o risco de reduzir as receitas e centralizá-las nas mãos do governo federal.
Há ainda o tema da infra-estrutura. Aqui a idéia é que o setor privado fará os investimentos necessários. Verdade em alguns setores: telecomunicações, trechos selecionados de estradas de rodagem e ferrovias. Mas, realmente, ninguém sabe ao certo qual será o impacto das privatizações sobre investimentos em infra-estruturas.
É árdua a tarefa de reduzir o "custo Brasil". Mas é preciso reconhecer que, para trilhar o fio da navalha, não há outra saída. O que não faz sentido é a retórica de que voamos em céu de brigadeiro ou de que a culpa está no corporativismo e incompetência do setor privado.
É preciso manter o bom senso. O ritmo da abertura e da apreciação cambial foi apropriado para a estabilização, mas coloca pedras no caminho do crescimento e do desenvolvimento de longo prazo.
E é difícil entrar no círculo virtuoso de crescimento e ganhos de produtividade começando com a redução de custos. Entrementes, ficam sacrificados o nível de atividades e a geração de empregos.

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