São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Castração da administração pública

OSIRIS LOPES FILHO

Paulo Nogueira Batista Jr, em artigo publicado na Folha, no último dia 11, assinala uma passividade conformista dos nossos agentes econômicos em relação à política cambial e de exportação do país.
Esse ambiente estático, de resignação comportada com o destino traçado por forças externas, levou Delfim Netto a vaticinar, mantidas as coisas como estão, "a se aceitar o subdesenvolvimento como uma fatalidade".
Em realidade, parece dominar o país a adoção de uma postura adequada à sobrevivência neste verão caracterizado por inundações por toda a parte: a opção substancial para se ficar, a salvo momentaneamente, em cima do muro.
Esse comportamento exige algum equilíbrio e, dependendo da altura do muro, ausência de acrofobia. Mas praticado com constância, esse alpinismo equilibrista está a confirmar a tese darwiniana da origem simiesca do homem.
Uma outra corrente que antecede a moda religiosa, introduzida extemporaneamente pelas igrejas evangélicas, é a do milagre, da formulação mágica das reformas salvadoras e redentoras.
Na área econômica, principalmente, a toda a hora se invoca o efeito miraculoso que as anunciadas reformas tributária, previdenciária e da administração pública e do Estado hão de produzir.
Nesse momento de início da ocupação pelo capital estrangeiro, dos espaços abertos pela reforma econômica de 1995, há uma excitação colaboracionista dos acólitos da tese da globalização da economia, em nome do neoliberalismo.
Está-se a desfibrar o Estado, com tamanha intensidade, que, ao final, se terá não um Estado mínimo, mas um simulacro enfeitado de poder, servindo às pompas vaidosas e imperiais dos seus titulares. A tentativa de reeleição matiza a vocação de perpetuação faustosa do simulacro de autoridade.
Um personagem radiante dessa alquimia reformista, ator desencontrado de comédia circense, travestido de autor do roteiro da tragédia do serviço público, é o ministro Bresser Pereira.
A sua reforma da administração pública esgota-se nas resmas de papel preenchidas pela sua secretaria e nas sorridentes palestras proferidas pelo Brasil afora. Nada de melhoria de qualidade e eficácia do serviço público. O povo, usuário dos serviços, continua inatendido condignamente, insatisfeito com o que a União lhe oferece.
O servidor público tem sido tratado como marginal incurável. Não se lhe dá treinamento, formação e incentivos para que supere suas eventuais deficiências técnicas e se qualifique melhor para o desempenho de suas funções.
Cortam-se vantagens e direitos. Agridem-se a sua segurança no trabalho e a sua reputação. A sua auto-estima afere-se por aparelhos especializados na medida das coisas minúsculas -o micrômetro.
O achincalhe, a perseguição inclemente e inglória tem sido a técnica no trato com o servidor público. O seu reajuste salarial, esperado para este mês, tem sido abordado (ou abortado) com leviandade e desprezo, como se não fosse o elemento substancial e ativo a dar sentido físico e corporificado à administração pública.
O ministro Bresser tem sido um vitorioso na missão em que se investiu, de exorcizar a administração pública do seu agente por excelência: o servidor público. O seu objetivo tem sido tão bem alcançado que o funcionário público supera, em marginalidade, o fumante.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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