São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Ato primitivo

SÍLVIO LANCELLOTTI

Por causa da estupidez de um ditador selvagem, começa pessimamente o ano de 1996 no futebol do mundo. Embriagado por suas mesquinhas birras pessoais, nada a ver com os interesses de seu povo, Sani Abacha, o feitor da junta militar que manda na Nigéria, impediu mesmo a sua seleção de participar da Copa da África.
Um personagem menor na história de sua pátria, Abacha se tornou famoso no planeta no último dia 10 de novembro, quando executou gelidamente o escritor Ken Saro-Wiwa e outros oito dissidentes da etnia Ogoni -apesar dos apelos da ONU e de dezenas de chefes de Estado.
Um deles foi Nelson Mandela, o presidente da África do Sul, que considerou a morte de Saro-Wiwa "uma afronta pessoal". Como a Copa estava programada para a África do Sul, o ditador decidiu se vingar. Alegou não confiar na segurança oferecida pelo governo de Mandela à sua seleção.
Falaciosa posição. Mais do que uma postura, um crime. Inaugurada em 1957, agora na sua festivíssima 20ª edição, pela primeira vez na sua antologia a Copa da África ostentaria 16 equipes na sua fase final. Com o dinheiro de muitos patrocínios à disposição, a África do Sul se comprometeu a realizar um torneio de organização exemplar, inédita em seu continente.
Pior, campeã em 1980 e em 1994, era a Nigéria a favorita principal ao título do certame. Basta lembrar da sua excelente performance na Copa dos EUA em 1994, quando assustou a Argentina, apavorou a Itália e só caiu diante da "Azzurra" num dramático final -e na prorrogação.
O ato soez, chantagista, primitivo de Abacha obviamente não afeta o orgulho da África do Sul e nem ofusca a dignidade de Nelson Mandela. "Pobre de quem confunde a política com o esporte", observou o presidente, dias atrás.
Na realidade, sumariamente, Abacha está arruinando um trabalho eficiente e frutífero do seu ministro do Esporte, Jim Nwobodo, e do presidente da sua federação de futebol, o general Emeka Omeraah, que montaram em sua pátria um formidável programa de revelação de jovens valores.
Na noite de sexta-feira, até o último instante possível, horas antes da abertura solene da competição em Johannesburgo, João Havelange, o presidente da Fifa, tentou amolecer a intolerância de Abacha. Agora, só resta à Fifa punir a Nigéria, no mínimo, com sua suspensão das eliminatórias do Mundial da França.

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