São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Um pioneiro da propaganda

NELSON BLECHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Houve tempo, acredite, em que indagar de um jornal ou revista seus números de circulação era considerado gafe tão grave quanto perguntar idade de mulher. Hoje os veículos de comunicação são os primeiros a alardeá-los ao mercado, para demonstrar a eficiência de sua cobertura.
Radionovelas eram produzidas nos estúdios das agências. Spots dos anunciantes acompanhavam as fitas de gravação. Dos Estados Unidos chegavam cartazes impressos para serem afixados nos bondes -sem o til e a cedilha, desconhecidos no alfabeto inglês, que posteriormente eram acrescentados à mão por diligentes publicitários.
Corriam os anos românticos e aventureiros da propaganda. Um jovenzinho carioca iniciava-se na profissão como office-boy do escritório carioca da agência McCann-Erickson, em funcionamento desde 1935. Fora atraído ao mundo da publicidade enquanto ouvia as transmissões radiofônicas do Repórter Esso.
O que o imberbe Altino Barros certamente não imaginava é que, meio século depois, encarnaria o slogan do noticiário para se tornar "testemunha ocular da história", como mostra o livro "McCann 50 Anos em 2", escrito em parceria com o publicitário Jens Olesen, responsável pelas operações brasileira e latino-americana da agência.
Na verdade, Barros, mais do que testemunha, foi pioneiro da mídia, tendo contribuído para estabelecer os parâmetros técnicos que passaram a orientar o desenvolvimento do setor no país. O "top" de cinco segundos que antecede os programas de TV leva sua assinatura, assim como o monitoramento das primeiras pesquisas de audiência.
Generoso, o autor registra um a um o papel dos colegas que ajudaram a plantar os alicerces da sexagenária McCann, a maior agência do país. A começar pela trajetória rara de Armando de Moraes Sarmento, primeiro executivo brasileiro a presidir uma corporação mundial, ainda no final dos anos 50. Duas décadas depois, o compatriota Márcio Moreira seguiria suas pegadas para se projetar internacionalmente como responsável pela conta da Coca-Cola -conquistada, por sinal, pelo escritório brasileiro.
Apesar do indisfarçável tom apologético, comum a esse tipo de obra, "McCann 50 Anos em 2" ilumina aspectos da tropicalização de um negócio que, cismado no mercado norte-americano, valeu-se dos talentos nacionais para prosperar.
Essa mescla de experiências é retratada no contrastante relato de Olesen que, nascido na Dinamarca, integrou o time de "trouble shooters", formado por publicitários poliglotas, especializados em cruzar o mundo para "apagar incêndios" nas filiais da McCann. Até se fixar definitivamente em São Paulo, em 1976, ele trabalhou em contas internacionais da agência nos EUA e na Europa.
Com sinceridade, Olesen alinha tanto os percalços que enfrentou -seu estilo de trabalho incomodou figurões do setor, que chegaram a sugerir à matriz que o removessem do posto- quanto as vitórias obtidas nos campos comercial e das artes. Casado com uma brasileira, foi Olesen quem convenceu as autoridades dinamarquesas a liberar a vinda ao Brasil, para uma exposição, de 12 imensas telas do pintor flamenco Albert Eckhout. "Foi uma façanha que d. Pedro 2º, ao visitar Copenhague há cem anos, não conseguiu", gaba-se.

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