São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Defeito no vírus HIV pode levar a vacina contra a Aids, diz estudo

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Apareceu em Sydney, Austrália, misteriosa amostra do vírus HIV-1, causador da Aids, caracterizada por fraquíssima capacidade de replicação a ponto de, às vezes, mal ser detectada pelos instrumentos comuns usados para esse fim.
Além disso, o vírus jamais alterava o estado de saúde do portador. Os cientistas descobriram que ele também era capaz de proteger os contaminados contra a forma comum do HIV-1, o que significa que ele não produzia a Aids.
Há uns 15 anos, um homem robusto doou sangue à Cruz Vermelha para transfusão, sem saber que era portador do vírus.
Seis anos depois, as autoridades sanitárias descobriram essa condição de portador, que já havia infectado por doação do sangue sete outras pessoas.
O curioso é que todos os contaminados, doador e recipientes, estavam normais, com sistema imune inalterado, situação que perdurou por dilatado prazo.
O mistério foi prontamente resolvido e a solução publicada em na revista norte-americana "Science": tratava-se de amostra anômala do vírus, que continha num de seus genes ("nef", abreviação de fator negativo), conhecido por sua capacidade de estimular a replicação, grave defeito que acarreta justamente acentuada diminuição dessa capacidade.
As células T, responsáveis pela defesa, quando penetradas pelo gene produzem muito poucas réplicas do vírus.
Logo surgiu entre os cientistas a idéia de que o novo vírus poderia servir de agente vacinante, e a vacinação é a grande atração no combate à Aids.
A idéia da vacinação, no caso, tinha mais um fundamento: a experiência de Ronald Desrosiers em macacos infectados com o vírus SIV, que causa nesses animais doença igual a Aids.
Desrosiers inoculou macacos com amostra do SIV na qual suprimiu um gene "nef" e conseguiu tornar os animais resistentes à doença. Só havia um contratempo: o vírus assim atenuado não tinha o poder de imunizar os filhotes, que morriam.
Apesar do êxito previsto para a vacinação humana, muitos especialistas se mostram céticos quanto a esse ponto.
É que o HIV pertence à categoria dos retrovírus, que têm tendência para integrar-se no genoma das células que penetram e, além disso, são muito sujeitos a mutação.
Nunca se pode confiar plenamente neles como veículo de material vacinante.
A solução para essa dificuldade estaria em compor vacinas híbridas, em que o gene atenuado fosse inserido em vírus não tão perigoso, como por exemplo o vacínico, que erradicou a varíola.
Desrosiers, por seu turno, entende que as vacinas com retrovírus podem ser muito mais atenuadas do que têm sido, pela supressão de até 4 de seus 9 genes.
Em certas partes do mundo menos desenvolvido, onde a transmissão do HIV chega a 40% dos heterossexuais, os riscos eventuais da vacinação pelo retrovírus seriam muito menores que os da propagação natural da doença.

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