São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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'Americano autêntico' comanda a diplomacia da Bósnia pacificada

Le Monde
De Paris

RÉMY OURDAN; CLAIRE TRÉAN
DE PARIS

RÉMY OURDAN e CLAIRE TRÉAN
Em Sarajevo
Muhamed Sacirbey, o ministro bósnio das Relações Exteriores, foi a Sarajevo passar o Ano Novo com alguns amigos, entre os quais Bono, o cantor anglo-irlandês do grupo de rock U2.
O ministro e o roqueiro tomaram vinho branco seco de Mostar até a madrugada, no subsolo do restaurante Jez. Haviam convidado jovens "descolados" da capital bósnia à sua mesa.
A estada em Sarajevo foi breve para cada um deles. Bono já havia prometido ir a Sarajevo quando os bombardeios sacudiam a cidade, mas mudara de idéia. Dessa vez ele pôde passear tranquilamente pelas ruas da capital e visitar a Biblioteca Nacional queimada.
Cantou apenas três canções num café, para a decepção dos jovens de Sarajevo, que esperavam mais. Muhamed Sacirbey, o ministro "americano" da Bósnia-Herzegóvina, também é estrangeiro na cidade -onde, entretanto, nasceu.
Exilado aos 7 anos, quando seus pais, anticomunistas, o levaram aos EUA, Sacirbey é um perfeito americano. Diz que o que faz falta em Sarajevo é "o futebol americano e a televisão".
Ele fala inglês muito melhor do que servo-croata, fato que às vezes suscita risos entre os bósnios que ouvem seus discursos na rádio local. O único apartamento que ocupa fica em Nova York -em suas breves estadas em Sarajevo, hospeda-se na casa de uma velha tia.
Há quatro anos, Sacirbey (a imprensa de Sarajevo utiliza seu sobrenome de origem, Sacirbegovic) se dedica à causa bósnia. "Meu pai e minha mãe eram jovens muçulmanos muito ativos na política", explica.
"Nossa família sempre foi ligada à do presidente (Alija) Izetbegovic". Foi por isso que, às vésperas da guerra, Izetbegovic apelou ao pai de Muhamed Sacirbey para que velasse pelos interesses bósnios nos EUA.
Chefe do SDA (Partido de Ação Democrática) da diáspora na América do Norte, ele exerce influência sobre a política externa nacional. Desde 92, Sacirbegovic filho se tornou embaixador bósnio junto à ONU. O primeiro embaixador da Bósnia nomeado no mundo.
Por "acreditar na sinceridade de Izetbegovic e confiar nele", Muhamed Sacirbey resolveu tomar parte no combate pela sobrevivência de seu país de origem, devastado pela explosão da Iugoslávia e os sonhos de Belgrado sobre a "Grande Sérvia".
Em maio de 1995 tornou-se chanceler, esforçando-se para "criar uma diplomacia profissional". Ele diz que a Bósnia, encruzilhada de identidades e religiões, se tornará "uma ponte entre o Oeste e o Leste, entre cristianismo e islamismo, Ocidente e Oriente".
Durante as negociações de Dayton Sacirbey renunciou ao cargo por discordar do premiê Haris Silajdzic. Hoje, espera a indicação de seu substituto.
"Eu estava pensando em voltar ao setor privado -talvez na área financeira." Mas já recebeu propostas para continuar na política. "Não é necessariamente preciso ter um cargo para ter influência."
Muhamed Sacirbey nasceu nas vielas de Stari Grad (o velho bairro otomano de Sarajevo) e diz sentir-se à vontade na cidade. Ele acha que sua identidade americana não representa um obstáculo.
Na noite do Ano Novo uma amiga de Bono jogou musse sobre o pescoço do ministro, numa atitude pouco condizente com o respeito balcânico pelos políticos. "O problema é que continuo não me vendo como ministro", reflete.

Tradução de Clara Allain

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