São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Desemprego também é doença

GILBERTO DIMENSTEIN

O tamanho da insegurança do brasileiro é medido com pavorosa precisão numa pesquisa ainda inédita: de cada 100 trabalhadores, 87 temem perder o emprego nos próximos meses.
Realizado pela agência de publicidade Saldiva & Associados, o trabalho, intitulado "Brasil: o Talento de um Povo", investigou as aptidões dos brasileiros -e, sem querer, encontrou um buraco negro.
As entrevistas revelam uma população acuada pelo avanço tecnológico combinado com as oscilações econômicas. Na mesma proporção do trabalhador, o empresário vê no mercado uma corrida de obstáculos cada vez mais veloz, capaz de levá-lo ao chão no passo seguinte.
Para comparar, procurei investigações sobre o medo dos americanos. Os resultados são parecidos, mostrando uma crise de confiança. Apesar de todas as conquistas na medicina e informática, os avanços nos direitos sociais, os americanos nunca estiveram tão pessimistas sobre o futuro -60% imaginam que a próxima geração, ou seja, seus filhos, terá uma vida pior e mais difícil.
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As pesquisas mais impressionantes estão ligadas ao impactos da instabilidade econômica na saúde dos indivíduos.
Estudos preparados nas universidades de Michigan e Johns Hopkins, importantes centros de estudos sobre saúde pública, mostram que aumento do desemprego é acompanhado por suicídios, ataques do coração e doenças mentais.
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O professor Harvey Brenner, da Johns Hopkins, calculou o que acontece nos EUA para cada 1,4 ponto percentual a mais de desemprego num ano:
1) 26.440 mortes ligadas a problemas do coração;
2) 1.540 suicídios;
3) 5.520 internações de pessoas em hospitais para tratamentos psiquiátricos.
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Dois pesquisadores de Michigan, Jeanne Gordus e Sean McAlinden, encontraram pontos comuns em pessoas traumatizadas pelo desemprego. Muitas reagem como se tivessem passado por um estresse semelhante ao de um divórcio ou ao da morte de parente.
Segundo eles, o desempregado corre o risco de sofrer depressão, ansiedade, agressividade, insônia, perda da auto-estima e problemas conjugais.
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Daí se vê a responsabilidade dos governantes, empresários e sindicatos em encontrar saídas que amenizem o efeito do desemprego, criando uma malha de proteção.
A redução dos custo social da mão-de-obra deve ter como contrapartida o esforço do empresários em evitar ao máximo a demissão. Os políticos devem apressar ao máximo as reformas constitucionais, facilitando o crescimento econômico.
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Numa lógica perversa, para o consumidor desfrutar um produto melhor e mais barato, terá de criar insônia em empresários e trabalhador.
Só que o consumidor também é empresário ou trabalhador e logo é vítima de si próprio.
PS - Ditado americano: o capitalismo produz os melhores produtos e as piores pessoas.
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Uma interessante fórmula que merece ser estudada: criar vantagens às empresas que empreguem mais, reduzindo sua carga de impostos. A idéia foi desenvolvida pelo consultor de empresas Antoninho Marmo Trevisan, quando era assessor de Dílson Funaro, então ministro da Fazenda. Está mais atual do que nunca.
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Sobre a coluna de domingo passado, chamada "Somos todos responsáveis", recebi cartas discutindo o papel da imprensa; considero a discussão relevante e torno-a pública. Muitos queriam saber por que a imprensa não fiscaliza com a mesma intensidade as mazelas privadas, enfatizando essencialmente o setor público.
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Um fator essencial é, primeiro, o tamanho do Estado e, segundo, sua capacidade de gerar inflação, instabilidade, corrupção e desperdícios -a imprensa acabou pilotada pelo setor público, tantas foram as crises, CPIs, planos econômicos frustrados.
Basta ver o número de manchetes que são produzidas em Brasília.
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Nesse clima de degradação pública, sinal de independência jornalística se transformou (e com razão) em bater em governantes, descobrir suas falcatruas.
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O problema é que o poder é distribuído. Igrejas, jornais, sindicatos, empresários, ONGs influenciam a vida, atrapalham, matam, deturpam. O princípio coerente da independência é investigar todos. Manipulação e poder são inseparáveis.
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No esforço de mostrar as mazelas públicas, acabamos cometendo exageros a fim de nos afirmar diante do leitor. Muitas de nossas reportagens passaram a apresentar mais barulho do que fatos. Suspeitas viraram indícios, e indícios, provas.
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Com a normalização democrática e a queda da inflação, o setor oficial tende a diminuir, estimulando novos focos de investigação.
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Temos uma dose de responsabilidade nos episódios Banco Econômico e Banco Nacional. Não adianta culpar só os donos dos bancos e as autoridades.
Quando cheguei aos EUA, importantes executivos de bancos me disseram que o desfecho era esperado mais cedo ou mais tarde.
Segundo eles, esses dois bancos estavam sob suspeita havia dez anos. Será que teríamos deixado passar uma importante personalidade pública que há mais de dez anos fosse suspeita de algum deslize?
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Para quem tem dúvidas sobre a desproteção do consumidor, apenas veja o número de erros que os ombudsman costuma encontrar diariamente na Folha, num corajoso esforço de transparência -corajoso e, muitas vezes, desgastante para a Redação, embora ótimo para o leitor.
Imagine o que acontece em empresas com menor vigilância interna e externa. Colocassem um ombudsman com tamanha transparência em escolas e hospitais privados, fábricas de alimento ou remédio, teríamos vários (e não exagero) escândalos por dia.
Prestariam menos atenção em Brasília e mais no Brasil, o que que seria bom.

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