São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Palestinos votam sábado pela primeira vez

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco mais de 1 milhão de palestinos estão inscritos para votar, no próximo sábado, na eleição que legitimará o mais novo país do mundo.
Um estranho país, aliás. Ao contrário da maioria dos demais, não é formado por um território contínuo. Para se passar de uma ponta (a faixa de Gaza, no extremo sudeste) à outra (a Cisjordânia), é necessário entrar e sair de outro país, Israel.
Estranho também por não ter uma capital formal. Os palestinos reivindicam, como sua capital, a cidade de Jerusalém, que também é reivindicada por Israel, o que jogou a decisão final sobre o status dessa cidade de 3.000 anos para futuras negociações.
Até a eleição, por seu caráter mais ou menos democrático, é um corpo estranho às tradições do mundo árabe.
É verdade que há críticas, dos próprios palestinos e de observadores internacionais, à limpeza do processo eleitoral. Mas tudo indica que não se dará, entre os palestinos, a suspeita unanimidade de reinos árabes como a Arábia Saudita ou de ditaduras unipessoais como o Iraque de Saddam Hussein.
Para a Presidência, ganha Iasser Arafat, 66, líder histórico da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), Prêmio Nobel da Paz, que dividiu com aquele que chegou a ser seu arqui-rival, Yitzhak Rabin, o premiê assassinado em novembro passado.
Arafat não é candidato único, em todo o caso. Concorre com Samiha Khalil, 72, veterana militante feminista, seis passagens por prisões israelenses e adversária declarada do processo de paz.
Para o Conselho de Autonomia, ganha a Fatah, a ala da OLP liderada por Arafat. Mal comparando, a Fatah está para a OLP como o grupo Articulação está para o PT.
São ambos radicais para os padrões tradicionais, mas moderados no interior de cada organização. E dependem, ambos, de um nome forte, o de Arafat e o de Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do PT.
A eleição de sábado pode legitimar um país que, na prática, já nasceu antes delas, aos trancos. Mas não resolve os problemas que fizeram do Oriente Médio a região mais explosiva do planeta, até que a Bósnia e a Tchetchênia começaram a disputar espaço nesse item.
Primeiro, não resolve a questão das fronteiras entre Israel e seus vizinhos árabes. Não apenas porque Jerusalém ficou para ter a sua situação decidida mais adiante, embora votem os palestinos da parte oriental da cidade.
Ocorre também porque dias depois das eleições se reiniciam as penosas negociações entre Israel e a Síria sobre as colinas do Golã, tomadas pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias (1967).
Mas o ponto mais crítico diz respeito exatamente à questão institucional, a de caráter mais simbólico na eleição. A Carta Nacional, uma espécie de Constituição palestina, ainda inclui cláusulas que pedem a eliminação de Israel.
O primeiro-ministro Shimon Peres já disse que interromperá o processo de paz com os palestinos dois meses depois das eleições, se o artigo anti-Israel da Constituição não estiver eliminado até lá.
A diferença entre o pré e o pós-eleição é que esse assunto passará a ser discutido, a partir do dia 20, entre dois dirigentes formalmente em pé de igualdade, ambos eleitos. Não será mais o diálogo entre um premiê e o chefe de um movimento de libertação.
Só essa formidável mudança de qualidade já justificaria qualificar de histórica a eleição de sábado, não fosse ela também a primeira da milenar história palestina.

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