São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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minissaia x eficiência

CAIO TÚLIO COSTA

As viúvas de McLuhan precisam da opinião dele sobre a transmissão de dados via computador
Um acontecimento importante e um outro, ridículo, sugerem que as coisas podem não estar indo muito bem nos Estados Unidos -ou o inverso, dependendo do ponto de vista.
O primeiro tem a ver com uma gigante das comunicações, a AT&T, maior empresa de telecomunicações do mundo. Ela decidiu partir para o "downsizing". Isto quer dizer diminuir o tamanho. Na linguagem politicamente correta significa racionalizar operações e incrementar produtividade. No fundo, trata-se de demitir funcionários e fazer cada um dos restantes trabalhar mais.
O segundo caso é risível: ressuscitaram Marshall McLuhan, aquele comunicólogo dos anos 60 que inventou o conceito da "aldeia global" e o de que "o meio é a mensagem". Autor de livros muito discutidos e pouco lidos, o titio dos teóricos da comunicação foi moda quando as facilidades em comunicações começaram a tornar o mundo ainda menor. A grande decepção com McLuhan é o fato de pouca gente ter realmente lido seus livros. Caso contrário não haveria tanta discussão, porque nada se tira de lá a não ser os poucos aforismos.
Quanto à história do "downsizing", os brasileiros a conhecem antes até da definição em inglês subir na crista da onda. Faz tempo que a economia brasileira vem se ajustando a formas mais produtivas de trabalho.
Mas, quando um conglomerado como a AT&T decide se dividir em três companhias diferentes (telefonia; redes de comunicação; computação) e, para isto, pretende colocar na rua 40 mil pessoas, então a coisa fica séria. Afinal, a empresa fatura US$ 75 bilhões por ano e suas ações cresceram 29% em 1995.
Muito bem. A notícia da decapitação em massa na AT&T chegou na mesma semana em que foi para as bancas o exemplar de janeiro da bíblia dos viciados em computadores, a revista "Wired", com Marshall McLuhan na capa. Não deixaram por menos: McLuhan é o "santo imortal da cultura eletrônica".
Está certo que o autor da reportagem e de uma entrevista imaginária, Gary Wolf, ironiza um pouco. Debocha do fato de o gênio da aldeia global ter patenteado certa feita uma fórmula para remover odor de urina das roupas íntimas. Tacha-o de palhaço e maníaco erudito. Afirma que ele só dizia o que os executivos que pagavam suas conferências queriam ouvir e conta que ele tentou explicar aos leitores de "Playboy" porque a minissaia não é sexy.
Apesar disso, teria deixado máximas que todos ainda repetem. O mais importante para o redator da "Wired" é que, ao explicar que tudo acontece simultaneamente e se pode saber disso em qualquer lugar, McLuhan teria apontado para um futuro em profundo risco de terrorismo de massa, de pânico.
Querem descobrir agora o que McLuhan diria das possibilidades de comunicação mais modernas, tipo Internet. Como ele mexeu com o tema, as viúvas precisam da sua opinião sobre a transmissão de dados via computador.
E o que tem a ver este saudosismo com a AT&T?
Quase tudo, se se levar a sério uma frase do McLuhan redivivo: "A pior coisa para qualquer organização é a eficiência. Você se movimenta muito rápido e, finalmente, chega no lugar errado".
Um viva para ambos, McLuhan e AT&T!

Ilustração: "A Sala dos Mapas" (1994), Cabrita Reis

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