São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O PAS não pode continuar

EURÍPEDES CARVALHO

Os recentes episódios que envolvem a tentativa de implantação do PAS -Plano de Atendimento à Saúde- vêm provar que o município de São Paulo decidiu ameaçar o reconhecimento da saúde como direito social e ignorar os princípios sobre os quais o Estado deveria prover condições para seu exercício.
Dissonante do Sistema Único de Saúde, contra a vontade dos médicos e da sociedade civil organizada, o PAS foi imposto pela Prefeitura de São Paulo como alternativa de gestão que solucionaria a crise da saúde.
Seus idealizadores subestimam o fato de que os problemas crônicos do setor saúde têm como determinantes o escasso investimento -que corresponde a R$ 90,00 por pessoa/ano- e os baixos salários dos profissionais que atuam na área.
São Paulo teria hoje condições de reformar a saúde sem violentar o SUS e sem sacrificar a vida dos cidadãos. Em 96 projeta-se para a cidade o gasto público com saúde de R$ 150,00 pessoa/ano, quase o dobro da média nacional. Além disso, o SUS permite atualmente o repasse direto de recursos do governo federal para o município, proporcionando autonomia de gestão que não existia nos governos Jânio Quadros e Luiza Erundina.
O descaso de Maluf com a saúde ficou claro em 94. Mesmo com déficit de 1.500 médicos e mil leitos hospitalares, a prefeitura deixou de gastar R$ 119,4 milhões, dinheiro supostamente utilizado para financiar o plano viário do governo municipal. Nem sequer implantou o quadro de pessoal da saúde e o novo piso para os médicos aprovado pela Câmara Municipal, de acordo com reivindicação nacional da categoria.
As verdadeiras intenções da administração municipal com a saúde ficaram evidenciadas quando o secretário de Transportes Getúlio Hanashiro substituiu o professor Silvano Raia à frente da pasta. Hanashiro, que já havia repassado a frota da CMTC para as empresas privadas, tinha agora a tarefa de repassar os serviços públicos de saúde para as empresas privadas de saúde.
A manobra diversionista foi batizada de PAS, idealizada por empresários da saúde que hoje assessoram o atual -já o quarto- secretário, Paulo Richter.
A aventura do PAS é uma jogada de marketing e tem requintes de cinismo, ao ludibriar a população marginalizada e excluída, passando a idéia de que um cartão plástico tem poder mágico: da noite para o dia, todos têm acesso à saúde que o governo Maluf não foi capaz de assegurar em seus três anos de gestão.
A Secretaria da Saúde ignora o aspecto social da crise, insiste equivocadamente que o problema do setor é apenas gerencial e que os médicos inseridos nas cooperativas se sentirão mais estimulados. Na lógica do PAS ganha ponto a exclusão social, conforme já praticada pelos planos privados de saúde, que hoje atendem, e mal, apenas 22% da população, e ainda com subsídio do imposto de renda.
A prefeitura propõe repassar R$ 10,00 mensais por cada pessoa cadastrada na cooperativa do PAS, que promete atendimento integral. O plano de saúde mais barato do mercado hoje custa R$ 21,00 por mês e mesmo assim exclui inúmeras patologias, procedimentos clínicos e cirúrgicos, além de explorar o trabalho do médico. É fácil concluir que para ser viável economicamente o PAS não vai atender todos os problemas de saúde da população. O plano pretende cobrir apenas 3 milhões de pessoas, apesar de suficientemente claro na Constituição que o gerenciamento do Sistema Único de Saúde obriga o município a dar cobertura universal -10 milhões de habitantes em São Paulo- de forma articulada com os governos federal e estadual.
O PAS não passa de um subsídio às empresas de medicina de grupo, que serão presenteadas com R$ 800 milhões do orçamento de 96 e nunca assumirão toda a assistência médica municipal. Este golpe é articulado com projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados e prevê retirar os planos de saúde da jurisdição do Ministério da Fazenda. O pior é que os contratos das cooperativas têm prazo de vigência de cinco anos: uma bomba de efeito retardado que vai estourar nos tribunais e no colo do próximo prefeito.

Texto Anterior: A mulher de Ló
Próximo Texto: Duas garotas morrem com tiro na cabeça na zona leste
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.