São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 1996
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"Noite de reggae é a mais rock e novidadeira de todo o festival"

SAMUEL ROSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem foi a "besta" que falou que o rock autêntico se resume a esse grupinho seleto de branquelos crisentos (com crises) e desajustados? Oriundos de países em que um desempregado ganha -por mês- uma quantia mais alta do que o assalariado brasileiro, o sistema de saúde funciona e a inflação é zero.
Já está na hora de alguém dizer que o rock é uma instituição, não só de vovozinhos que rebolam por qualquer preço para perpetuar o seu legado, como também de garotões que, por mais heroína que possam consumir, passam na maioria da vezes uma impressão de contestação pasteurizada. Tão pasteurizada que, quando você toma contato com um deles, não sabe o que é ou quem é, mas sabe com o que se parece.
O rock, até onde me consta, não tem de, necessariamente, passar por esses caminhos. Nada contra a droga, mas contra esse tipo de instituição camuflada, essa convenção dentro de uma atitude pseudoalternativa.
Em sua essência, o rock tem características hoje pouco valorizadas, quando não praticamente esquecidas ou mal-interpretadas: como autenticidade criativa explícita, diversidade, antagonismo ao comportamento modal, miscigenação cultural e, pasmem, primitivismo literário, tanto no conteúdo quanto na forma, porém com um talento desigual para a universalidade.
Nesse sentido, não me entra na cabeça como uma noite do Hollywood Rock 96, em que os artistas que irão tocar atendem, e bem, às premissas básicas do rock'n'roll, possa ser batizada de "noite reggae".
Onde já se viu Gil, Science, o Cidade e até mesmo os estrangeiros classificados apenas como bandas de reggae?
É simplificar demais um trabalho que transcende esse rótulo e tem muito em comum com a estética do rock.
Em comum, no sentido da criatividade, da mistura inusitada e até mesmo da capacidade empática. Não me admira a preferência do público por essa noite.
Essa crescente identificação da garotada com artistas mais híbridos e ligados a musicalidade terceiro mundista sugere por um lado o esgotamento e por outro uma busca de diferenciação e identidade. Ou seja, o garoto, além de outras coisas, não quer mais correr o risco de procurar um disco na estante e não encontrar porque seu pai pegou emprestado para ouvir.
E muito menos ir com ele de mãos dadas ao show para ver seu artista favorito (como já aconteceu em outros carnavais).
Porque, afinal de contas, rock'n'roll não se ensina na escola e nem se passa de pai para filho.
E salve a noite mais rock'n'roll e cheia de novidade do festival.

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