São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 1996
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Juros em dólar de 20% ao ano

DEMIAN FIOCCA

Por que a entrada de divisas no Brasil é tão intensa e não cessa? Pois as autoridades econômicas asseguram com suficiente clareza que a taxa de juros será equivalente a 20%, em dólares, no ano de 96.
O diretor da área externa do BC garante que "a política cambial está consolidada", ou seja, a taxa de câmbio continuará com variação inferior à inflação. Se esta última for de 15%, é um bom palpite que o dólar estará valendo cerca de R$ 1,10 no final do ano.
De sua parte, o próprio ministro da Fazenda deu os parâmetros do que considera "queda lenta dos juros". As taxas reais ficarão próximas da metade dos 30% de 95, ou seja, 15% acima da inflação.
A conta é óbvia. O dólar evolui 5% menos que a inflação e os juros remuneram 15% mais. Ganha-se 20% em 96 à custa dos cofres públicos, que pagam os juros.
Nos países desenvolvidos, a inflação varia em torno de 3% ao ano e os juros ficam ao redor de 6% anuais, ou seja, os juros reais são de 3% em um ano. Em 95 o governo brasileiro pagou dez vezes mais que a taxa internacional. Agora, pagará cinco vezes mais, garante o ministro.
A brutal acumulação de reservas internacionais nos últimos oito meses confirma que a remuneração fixada pelo BC é maior do que seria necessário para compensar o risco de aplicar no Brasil.
O governo, entretanto, não reduz mais os juros, não impede a entrada excessiva de divisas e, o que estava quase esquecido, sequer exige um prazo maior para os títulos públicos.
Como o fluxo de capitais demonstra que o risco Brasil é inferior ao retorno financeiro dado pelo governo, este poderia no mínimo aproveitar o momento para eliminar a liquidez diária dos títulos.
A famigerada cláusula de recompra dos títulos públicos permite que, a qualquer momento, o investidor resgate a aplicação sem custos. Isso deixa a moeda nacional extremamente vulnerável à especulação e produz instabilidade no sistema financeiro.
A eliminação da cláusula de recompra ocuparia o espaço que existe para elevar um pouco o risco de aplicar no Brasil, já que o dinheiro não estaria disponível todos os dias, mas apenas a cada 30, 60 ou 90 dias.
Um particular ainda poderia revender a aplicação ao banco (e reaver seu dinheiro antes do prazo), mas todos não poderiam mais fazer isso ao mesmo tempo. Desse modo, colocar-se-ia um obstáculo à repetição de fugas de capital como a ocorrida em março último.
Depois do recuo do governo em instituir compulsórios sobre as aplicações de 60 dias (que, por pressão dos bancos, ficou isenta) e livrar apenas as de 90 dias, a liquidez diária de aplicações que rendem 20% ao ano em dólares mostra a que ponto os interesses financeiros predominam no Brasil.
Há um sentido enganoso na frase do presidente de que "os pobres estão comendo mais e os banqueiros estão em dificuldades". Ela sugere que o governo redistribuiu renda tirando do setor financeiro. Ocorreu o oposto.
Em meio à orgia que premiou os interesses financeiros como em nenhum outro lugar do mundo (e não se trata necessariamente de bancos, mas de todos os detentores de riqueza financeira), o BC quebrou consumidores e empresas que, como em qualquer país, usam crédito. Essa inadimplência fragilizou alguns bancos e a boataria contra eles levou-os à insolvência.
Portanto, alguns poucos bancos só ficaram em dificuldades depois (e por causa) de uma situação ruim para a população em geral. Juros altíssimos premiam os interesses financeiros e ao mesmo tempo prejudicam alguns bancos, como reflexo do estrangulamento da produção e do consumidor.

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