São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 1996
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O Plano Real e o consumo de alimentos

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS; ALEXANDRE L. MENDONÇA DE BARROS

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS e ALEXANDRE L. MENDONÇA DE BARROS
Além da queda da inflação, o Plano Real trouxe em seu bojo uma elevação da renda das camadas mais pobres da população e, como consequência, uma elevação do consumo de alimentos.
Para evidenciar este movimento, a Secretaria de Política Econômica preparou e distribuiu uma tabela que mostra a evolução do consumo aparente per capita dos principais alimentos para o Brasil no período de 1985-95. Em virtude de alguns comentários e qualificações feitas aos dados, gostaríamos de colocar observações adicionais acerca do tema:
1) Em primeiro lugar, os dados são de consumo aparente, que é definido como produção mais importação menos exportação mais variação de estoques (os dados são também ajustados para perdas de comercialização). Este é um conceito muito bem definido e largamente utilizado na literatura, e só por brincadeira uma elevação no consumo aparente pode ser confundida por um "aparente" aumento no consumo, como colocou uma "analista" nesta Folha, em 31 de dezembro de 1995.
2) Clóvis Rossi em comentário publicado em 24 de dezembro de 1995, chamou a atenção para o fato que no período do Plano Cruzado e em alguns outros anos, certos alimentos foram mais consumidos que nos dois últimos anos. Isto é verdadeiro, mas não desqualifica de forma alguma a observação de que o padrão alimentar melhorou nos dois últimos anos, como se verifica a seguir.
Na verdade, o que realmente interessa é o conjunto de alimentos, ou mais propriamente, o valor nutritivo da cesta de produtos ingeridos pela população. Este valor nutritivo é geralmente descrito pela quantidade de calorias e proteínas presentes nos alimentos, embora se saiba que outras características são também importantes.
Realizamos então o cálculo da evolução do consumo aparente (em kg/habitante/ano) dos seguintes alimentos: arroz, feijão, trigo, batata, mandioca, óleo de soja, carnes (de suínos, bovinos e frango), ovos e leite (apenas verduras, legumes e frutas, dos alimentos mais relevantes ficam fora da cesta). Este consumo foi, a partir de coeficientes técnicos, traduzido em quantidades de proteínas e calorias ingeridas por habitantes, diariamente. A evolução desta dieta, que pode ser comparada com a dieta recomendada de 2.440 calorias/dia e 60 gramas de proteínas/dia, como algo como 70% das proteínas vindo de produtos animais, foi a seguinte, de 1985 a 95: 2.274, 2.490, 2.277, 2.266, 2.370, 2.343, 2.370, 2.318, 2.334, 2.433 e 2.545 para calorias; 56, 64, 59, 60, 62, 62, 63, 64, 64, 66 e 71 para proteínas.
Duas conclusões principais saem dos dados: em primeiro lugar, ainda há muito que melhorar na área alimentar, uma vez que, embora as médias no fim do período se aproximem da dieta recomendada, sua distribuição não é, evidentemente homogênea, o que implica em carências ainda a superar.
Por outro lado, e este é o ponto básico deste artigo: há uma evidente correlação entre estabilização e melhora no padrão alimentar. Tanto em 1986 como nos dois últimos anos, a ingestão de calorias e proteínas fica acima da média: em 1955, por exemplo, consumiu-se mais 7,6% de calorias e mais 13% de proteínas que na média do período. A estabilização, portanto, produz melhora no padrão de vida das camadas populares e é condição precedente para o ataque aos problemas mais estruturais. É portanto grave erro reduzir a importância do controle da inflação; é mais grave ainda achar que a inflação já está controlada e não demanda mais cuidados.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, 51, pós-doutorado em Economia pela Universidade de Yale (EUA), é secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
ALEXANDRE L. MENDONÇA DE BARROS, 28, é doutorando em Economia Agrícola pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP (Universidade de São Paulo).

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