São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 1996
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A construção e o déficit público

PAULO GODOY

Até o final dos anos 70, o Estado brasileiro conseguia cumprir razoavelmente a função de responsável básico pelos investimentos em infra-estrutura pesada e urbana, bem como financiar programas habitacionais. E o governo Geisel voltou a apostar no papel central do governo, especialmente das estatais, que fortaleceu e ampliou. Amparado nesse papel, o déficit público -objeto de combate enérgico na fase Castello Branco/Roberto Campos- era justificado como um mal menor e necessário, envolvendo amplos interesses e contando com forte apoio social. Entre os apoiadores incluíam-se, naturalmente, as construtoras de obras públicas, um dos muitos segmentos empresariais dependentes dos contratos e encomendas do governo.
Como esse quadro mudou radicalmente de lá para cá! Nos últimos anos, acentuou-se dramaticamente a erosão da capacidade de investimentos do conjunto do setor público, na proporção inversa do aumento das despesas de custeio e financeiras, sobretudo de 1985 em diante. Segundo levantamento da Folha, 26 Estados, inclusive o de São Paulo, e 26 municípios, felizmente excluída a cidade de São Paulo, não dispõem de recursos sequer para pagar regularmente seus funcionários no final do ano (alguns, há vários meses). Tentam arrancá-los de um governo federal também exangue, cujo déficit cresceu para mais de 4% do PIB (Produto Interno Bruto). E as empreiteiras de construção, além de atingidas por uma queda brutal de contratos, são vítimas de um calote generalizado, do qual o maior exemplo é a dívida de R$ 3 bilhões do governo paulista.
Assim, o déficit público, do aliado de décadas atrás, transformou-se no grande inimigo do nosso setor de atividades. E -o que é mais grave- um inimigo que continua sendo capaz de obstruir a retomada dessas atividades em face ao enorme atraso das reformas que deverão eliminar o custoso e paralisante gigantismo do Estado (devolvendo-lhe condições de voltar a investir nos programas sociais) e propiciar alternativas realistas, consistentes de novo modelo de financiamento privado da infra-estrutura.
Por isso, o ano de 96 coloca as empresas do setor diante de perspectivas extremamente contraditórias. De um lado, contamos com a relevante premissa de uma inflação mantida sob controle. Temos uma economia privada (principalmente em São Paulo) dinâmica e inovadora. Já dispomos de um consenso sobre a urgência de grandes investimentos em infra-estrutura. E tem sido reiterado o interesse de vultosos capitais externos de investirem no Brasil. Ou seja, há todas as condições potenciais para um novo ciclo de crescimento sustentado.
Ao mesmo tempo, nosso setor, profundamente descapitalizado pela dívida estadual, sofre os perversos efeitos das altas taxas de juros em vigor e da combinação da crise do Estado com a demora das reformas (administrativa, previdenciária e fiscal), buscadas com empenho pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O mercado tradicional está cada vez mais reduzido, sustentando-se em São Paulo praticamente apenas nos programas da prefeitura, e deteriorado por contínuos atrasos de pagamentos e desrespeito aos contratos, bem como pela extrema burocratização dos processos licitatórios, que inibe novas obras.
E a transição para o novo modelo das concessões de serviços públicos enfrenta resistentes obstáculos. O primeiro deles, em São Paulo, é a descapitalização das empresas que constituem os verdadeiros parceiros do governo estadual para o programa de concessões anunciado. E a este obstáculo se soma o irrealismo de boa parte desse programa.
Mas, apesar dos constrangimentos que o setor está sofrendo, apostamos no lado positivo desse cenário contraditório. Isto é, na aceleração e concretização das reformas modernizadoras do país, a partir daquelas que superem a crise terminal do Estado gigantesco, ineficiente e inflacionário.

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