São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Frota critica 'tecnocracia' da Aeronáutica

FRANCISCO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

O brigadeiro da reserva Ivan Frota, 65, disse em entrevista à Folha , que o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Lélio Lobo, é "um tecnocrata", que a Aeronáutica tem sido dirigida ultimamente por tecnocratas e que as pessoas que estão lidando com o projeto Sivam são tecnocratas.
Ferrenho opositor do projeto em sua versão atual, Frota relacionou três pontos básicos que, na sua opinião, justificam o cancelamento do contrato entre o governo brasileiro e a empresa norte-americana Raytheon.
O primeiro é o relacionamento entre a Esca, empresa que participou da elaboração do Sivam e que começou a gerenciá-lo, e a Raytheon; o segundo é a dispensa, a seu ver, sem razão, de licitação para contratar a Raytheon; por último, o fato de o contrato ter sido assinado sem cobertura de crédito, o que seria ilegal.
Na semana passada, Frota ganhou destaque ao ter sido impedido pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) de depor no Senado sobre o Sivam. Dias antes, havia dito que os senadores aprovariam o projeto em troca de "benesses".
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
*
Folha - Se tivesse conseguido depor, o que o sr. teria dito ao Senado?
Ivan Frota - Inicialmente, diria que se criou uma falsa bipolarização em relação ao Sivam. Talvez até por desconhecimento, dividiu-se as pessoas em quem é contra e quem é a favor. Não é bem isso. Para mim, existem dois Sivans: o Sivam/Brasil e o Sivam/Raytheon. Eu questiono vários aspectos do Sivam/Raytheon e, consequentemente, recomendo que se adote o Sivam/Brasil.
Folha - Originalmente, quando o sr. trabalhava no assunto, o que havia era o que o sr. chama de Sivam/Brasil?
Frota - O nome não era esse, era Vigilam. Tinha uma visão de implementar na sociedade brasileira uma conscientização em relação à ocupação rápida da Amazônia.
Folha - Onde começou esse desvirtuamento?
Frota - Eu era diretor da Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Vôo, o setor que cuida do controle do tráfego aéreo nacional, e também presidente de uma comissão de implantação do sistema de controle do espaço aéreo. Nós implantamos, com equipamentos eletrônicos, em metade do nosso país.
Faltava a Amazônia. Eu senti que a Amazônia poderia ser ocupada e, ao mesmo tempo, levar para lá essa capacitação técnica. Passei a tomar várias providências, antes mesmo de pensar como funcionaria. Isso foi de 89 para 90.
Logo em seguida, veio o governo Collor. O ministro Sócrates (Monteiro) me pediu um anteprojeto do que seria isso de que estamos falando hoje, um sistema abrangente para a Amazônia. Comecei a trabalhar, apresentei as primeiras idéias.
Na época, a Esca já trabalhava para o ministério. Como ela tinha mais recursos técnicos, o ministro a incumbiu de fazer daquilo um projeto formal. A Esca mudou o nome de Vigilam para Sivam.
O Vigilam previa o uso de meios já existentes. Por exemplo, os equipamentos de proteção ao vôo que estavam disponíveis poderiam ser transferidos de uma área para outra.
É óbvio que precisaríamos ter um projeto de aquisição de meios para implantar o indispensável. Aí é que entraria uma parte do que hoje, me parece, passou a ser o objetivo principal.
Folha - Quem fez a mudança?
Frota - Pelo menos, depois que eu saí, foi nas mãos da Esca que essas coisas começaram a crescer.
Folha - A Esca já tinha negócios com a Raytheon?
Frota - Sim. Isso só apareceu recentemente e é um dos pontos vitais porque esse empreendimento Sivam/Raytheon não pode ir à frente. A Esca teve um período de relacionamento muito íntimo com a Aeronáutica.
Achava a Esca uma empresa competente, leal e patriótica. Na realidade, ela cometeu uma traição. A Aeronáutica exigiu que a Esca cancelasse esse acordo e ela só cancelou cerca de seis meses depois.
Outro aspecto fundamental desse processo é que o governo obteve dispensa de licitação para contratar, não só a empresa integradora, que foi a Esca, como a fornecedora, a Raytheon, com base em um artigo do decreto 8.666 (trata das licitações no setor público).
Ele dispensa de licitação as aquisições de bens ou serviços que a União faça e que vulnerabilize aspectos de informações estratégicas sensíveis, que possam comprometer a segurança do país.
Foi alegado pelo governo que haveria informações estratégicas. Então o Conselho de Defesa Nacional dispensou a licitação. Agora vou ao governo e digo que a contratação da Raytheon implica vulnerabilidades estratégicas que comprometem a segurança do país.
Então ele me responde que a Raytheon não teria conhecimento de assuntos sensíveis, que pudessem comprometer a segurança nacional. Ora, então, por que foi pedida dispensa de licitação, se seria possível fazer competição de empresas sem que elas tomassem conhecimento de coisas sensíveis?
Folha - Como o sr. analisa o fato de a Aeronáutica estar defendendo esse projeto?
Frota - Essa é uma pergunta difícil de responder. Existe muita ingenuidade. No meio militar existe uma ingenuidade enorme. As pessoas querem realizar aquela parte técnica e falta sensibilidade política nacional e internacional.
Folha - Não poderia haver outro tipo de envolvimento que pudesse levar a esse apoio?
Frota - Eu não posso acreditar que isso exista. Pode até acontecer e ser uma grande surpresa para mim, como foi o negócio da Esca. O ministro que está aí (Lélio Lobo) é um homem íntegro, competente e culto. Agora, é um tecnocrata, infelizmente.
A Aeronáutica, ultimamente, tem sido dirigida por tecnocratas. E as pessoas que estão envolvidas com esse assunto são tecnocratas, sem vivência operacional.
Folha - No governo, fora da Aeronáutica, há algum outro tipo de interesse nesse projeto?
Frota - A minha opinião é de que o presidente tem um interesse político internacional muito forte para manter esse contrato vivo. Nesse nosso mundo atual, principalmente na América Latina, Terceiro Mundo, nenhum país consegue ter um presidente que não seja apoiado pelos Estados Unidos.
Folha - O sr. tem algum documento que mude a história do Sivam?
Frota - Não. Agora, tem um aspecto que não mencionei. Esse contrato, pelos dados que tenho à mão, não existe. O contrato comercial celebrado pelo Brasil com a Raytheon é ilegal. Não tem cobertura de crédito. Só existirá após a aprovação no Senado.
Folha - O sr. não teme ser acusado de estar fazendo campanha política?
Frota - Não temo. Aliás, aproveitando a oportunidade, o senador Antônio Carlos Magalhães disse que participei de uma campanha política e só consegui meia dúzia de votos. Eu digo, realmente, só tive meia dúzia de votos, agora, limpos. Sem ter comprado esses votos e sem ter recebido dinheiro de instituição financeira ou coisa que o valha.
Folha - Os votos do senador não são limpos?
Frota - Eu não digo que os votos dele não sejam limpos, agora, as acusações que estão aí na pasta cor-de-rosa é que falam isso.

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