São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996![]() |
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Agricultor convive com cobras
CRIS GUTKOSKI
"Puxaram cobra pelos pés um bocado de tempo e depois foram procurar uma vida mais fácil." A perigosa proximidade com cobras caninanas e cascavéis não o perturba. Para Pereira, pior era o tempo em que trabalhava como lavrador sem terra no Ceará e precisava entregar boa parte da produção para o dono da fazenda. "A gente sofria muita humilhação", recorda. "Chegava a época da colheita, e o dono soltava os bois dele para comer a roça", conta o agricultor. Pereira refugiou-se na caverna com a família em 1959 e hoje é dono de 20 hectares em terreno íngreme, onde planta mandioca, milho e feijão de forma rudimentar. Busca água a 2 km de distância, num dos raros poços que abastecem os habitantes de cavernas próximas ao povoado de Curral de Pedra, em Pimenteiras. Para subir e descer as encostas acidentadas que levam ao poço, Pereira conta com a ajuda do jegue Canário. Pereira também cria porcos e galinhas na casa de pedra. Em entrevista à Agência Folha, o lavrador elogiou o Plano Real, mas afirmou que até hoje não teve dinheiro para comprar e transportar pela serra as telhas que lhe permitiriam abandonar a caverna. Pereira casou três vezes. O filho mais novo tem 4 anos, e a terceira mulher, 27. "Já avisei que, se não andar nos eixos, arrumo outra." * Agência Folha - Como é viver na caverna? José Pereira - Aqui para nós é bom, é tão descansadinho, ninguém briga. A gente se acostuma. Agência Folha - O sr. não teme que a pedra caia? Pereira - Não, acho essa casa mais segura do que a que a minha família tem em Juazeiro do Norte (CE). Aquela foi nós que fizemos, e essa nós já achamos pronta, feita por outro ser superior. Agência Folha - Como o sr. se protege das cobras e insetos? Pereira - A gente se enrola com eles toda hora. As cobras vivem nas pedras e brincam com nós aqui dentro. Tem umas bichinhas: caninana, cascavel e outras cobrinhas desse tamanho (mostra uma vara seca de meio metro). Agência Folha - Vocês matam as cobras? Pereira - As que nós vemos, nós matamos; as que nós não enxergamos estão vivendo aqui dentro com a gente. Não mexem com nós e nós também não vamos atrás delas. Eu e meus filhos nunca fomos picados, mas dois vizinhos foram e viajaram (morreram). Agência Folha - Seus filhos, quando eram pequenos, gostavam de morar aqui? Pereira - Achavam bom, tinha muita diversão aqui. Caçar de espingarda, tirar o mel. Achavam bom trabalhar na roça, principalmente quando chegava a fartura. Agência Folha - O sr. nunca pensou em construir uma casa? Pereira - Mas e as condições? Não dá e a gente se conforma, já achou essa casa pronta. Vontade nunca faltou de fazer outra. Casa de palha não, que aqui até isso é difícil de conseguir. Tem telha no Ceará, só que é muito cara. Agência Folha - Por que o sr. precisou sair do Ceará? Pereira - Por causa da terra. Não tinha terra para mim lá. E a gente sofria muita sujeição trabalhando na terra dos outros. Chegava a época da colheita, e o dono da fazenda soltava os bois dele para comer a nossa roça. Agência Folha - O sr. sabe quem é o presidente da República? Pereira - Não é aquele da mãozinha (mostra os cinco dedos)? O Fernando Cardoso Henrique (sic). Ouço rádio de vez em quando. Agência Folha - O que o sr. está achando do governo dele? Pereira - Para mim, já houve melhora. Pior seria se as coisas continuassem subindo. Tem uma incomodação grande porque o que se planta não vale nada, mas pelo menos o que se compra é barato. Agência Folha - O que o governo poderia fazer para ajudar lavradores como o sr.? Pereira - Se aparecesse água aqui, já era um descanso na nossa vida. A gente vive só com esses buraquinhos (cavidades que enchem de água na época das chuvas) que Deus deixou nas pedras. Deus é um bom pai. Texto Anterior: Folha comete menos erros de português Índice |
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