São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Internet: desafio para o Brasil

LUCIANO COUTINHO

Envolvendo 30 milhões de usuários, com um crescimento exponencial espetacular, a Internet é um fenômeno que atrai crescente atenção em todo o mundo.
Ela, em si, não tem existência física, pois se trata da interconexão potencial de centenas de milhares de redes de computadores, de forma descentralizada, por meio da infra-estrutura física de telefonia e telecomunicações, formando uma comunidade de usuários que podem se comunicar entre si ou consultar arquivos e bibliotecas por meio de seus microcomputadores.
A maior parte dessas conexões é efetuada por meio de linhas telefônicas convencionais (a telefonia celular ainda não está preparada para essa tarefa), sendo a interligação das redes regionais e nacionais efetuada por meio de linhas de alta capacidade (via rádio-digital, satélites e, especialmente, fibras óticas) colocadas à disposição pelos sistemas nacionais de telecomunicações.
A Internet nasceu de uma rede militar americana, a Arpanet, criada em 1969 pela Darpa (agência de pesquisa do Pentágono), que visava articular os pesquisadores do complexo industrial-militar e, ao mesmo tempo, socializar, nesse campo restrito, a memória científica e tecnológica do sistema, para minimizar o risco de sua destruição na eventualidade de uma guerra total.
Aos poucos, essa rede foi sendo aberta ao restante da comunidade científica. Com o fim da guerra fria, a sua ampliação foi promovida pela National Science Foundation, facilitando enormemente o intercâmbio científico nos EUA.
Pagando um custo de acesso subsidiado, os pesquisadores podem obter, gratuitamente, acesso a um imenso manancial de informações científicas e interagir entre si para o avanço das pesquisas.
Nos últimos quatro anos, a Internet, até então restrita à comunidade acadêmica, expandiu-se notavelmente, chegando às residências e às pequenas empresas, incorporando todo tipo de comunicação (i.e. comercial, cultural e de lazer, oferta de serviços etc.).
No Brasil, a comunidade científica também liderou o processo. Hoje cerca de 160 mil usuários (16 mil "computadores-host") já estão associados à Internet, e esse número vem crescendo explosivamente (em outubro de 95 eram 100 mil).
Os ministérios da Ciência e Tecnologia e das Comunicações estão fomentando a formação de pequenas empresas para prover acesso à Internet. Com isso, o Comitê Gestor da Internet-Brasil, otimisticamente, espera um salto no número de usuários para perto de um milhão em 1996.
Para alcançar esse potencial, será necessário superar rapidamente os gargalos infra-estruturais nas telecomunicações e cobrar preços acessíveis.
A incorporação do grande público e dos serviços comerciais modificou a natureza original da rede, encampando atividades que visam lucro (e.g. venda por correspondência, venda de informações e base de dados, venda de serviços de consultoria, publicidade interativa, operações financeiras).
Assim, a Internet vem evoluindo em direção a um novo perfil plurifuncional, aberto, descentralizado e cada vez mais amplo, prenúncio de uma verdadeira rede telemática global.
Uma característica importante dessa nova etapa é o aumento da interatividade entre os participantes e entre estes e os próprios recursos computacionais oferecidos (e.g. bases de dados e imagens em CD-ROM).
Hoje, os principais serviços interativos disponíveis via Internet são, pela ordem: correio eletrônico, pesquisa de bibliotecas e bases de dados, trabalho à distância ou teletrabalho, grupos de intercâmbio de opiniões e informações.
Mas, à medida que a infra-estrutura de telecomunicações se torna muito mais potente (e, em consequência, mais barata), com o avanço das fibras óticas, certas formas atualmente restritas de interatividade (e.g. videoconferências, teleassistência técnica, teleconsultoria, telecompras interativas, telemedicina para consulta e diagnóstico à distância) poderão se banalizar. A estratégia das grandes empresas de software já está, hoje, voltada para a captura dessas oportunidades.
Alguns "futuristas" prevêem grandes mudanças no tecido social e na divisão do trabalho com o avanço da rede telemática global. Grande parte do trabalho poderia assumir a forma de teletrabalho, com profundo impacto sobre as estruturas das empresas e organizações.
O consumidor, sem sair de casa, poderia escolher o item que deseja entre milhões de fornecedores e optar pela melhor forma de financiamento, no caso da compra de automóveis ou de imóveis.
Formas de moeda eletrônica, protegidas por códigos criptográficos, banalizariam as transações financeiras via rede e praticamente eliminariam as agências bancárias, massificando-se o "home-banking", com mais recursos e facilidades.
De outro lado, os céticos apontam para a forte resistência de grande parcela da população à utilização da telemática, particularmente nos estamentos etários mais idosos, cuja sobrevida vem aumentando.
A nova comunidade telemática ficaria restrita a um clube de jovens de média e alta renda, com alto nível de escolaridade e capaz de dominar o inglês, língua predominante para acesso aos serviços oferecidos via Internet.
Mesmo nas sociedades com elevado nível de educação e distribuições de renda razoavelmente igualitária, essa rede telemática interativa ainda demoraria duas ou três décadas para tornar-se relevante. O processo somente ganharia velocidade se, por meio da rede de televisão, alguns sistemas interativos de fácil uso vierem se desenvolver.
Como vemos, a massificação dessas transformações não é movida simplesmente por avanços tecnológicos (embora esses sejam fundamentais), mas dependem das condições sociais, culturais e educacionais.
O Brasil, ainda largamente semi-alfabetizado ou analfabeto, corre o risco de ficar na rabeira desse processo, com um restrito clube de acadêmicos, profissionais, executivos "yuppies" e adolescentes bem-nascidos usufruindo do admirável novo mundo telemático, enquanto a esmagadora maioria da população permaneceria à margem.
Essa breve reflexão sobre o futuro da Internet bem sublinha a urgência histórica de se revolucionar as bases da educação em nosso país.

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