São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Hegemonia dos EUA é regra da Nova Ordem

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há uma insistência compreensível no debate atual sobre o chamado "neoliberalismo". Liberais de vários matizes fizeram o que estava ao seu alcance para explicar que o liberalismo, afinal, é que continuava o mesmo. Em vão: o ataque ao neoliberalismo predominou na agenda dos críticos.
O final de século, entretanto, dá o espetáculo de uma potência hegemônica que não repete a história e, diferentemente da Inglaterra, sobrevive à crise mundial reafirmando-se como potência dominante. E poucos se colocam essa questão, preferindo concentrar o foco na ideologia ou na "superestrutura".
O início de 1996 ficará, na lembrança dos norte-americanos, como um marco em tempestades de neve e de reafirmação da vocação mundial dos EUA. Nas televisões, Clinton, em roupas de campanha, cumprimentava os soldados que lutaram contra a neve na Europa. Os republicanos e os serviços públicos parados serão apenas um capítulo menor, doméstico, num roteiro de reafirmação global do papel moderador dos Estados Unidos.
Há alguns dias, um documentário da TV Cultura sobre o marketing político nos EUA mostrava os bastidores da campanha de Reagan em 1980, mostrava como os temas militares, de confronto externo, tinham importância na fabricação da imagem do "neo-cowboy". Mostrar em vídeo (agora com a CNN) cenas do presidente em "teatros de guerra" rende dividendos políticos internos e, ao mesmo tempo, mostra que há um xerife na cidade global.
Já é de conhecimento público que a CIA encontrou nova identidade no campo do que se poderia denominar de polícia comercial internacional. Corrupção nos vários mercados, práticas de concorrência desleal, dumping ou espionagem industrial são os novos temas na agenda da Agência Central de Inteligência dos EUA.
Macroeconomicamente, a virada norte-americana nos campos das telecomunicações, do entretenimento e da informação surpreendeu muita gente, acostumada a observar apenas os indicadores de produtividade industrial ou de comércio exterior.
Para quem tem como vanguarda econômica a informação, a propriedade intelectual e a abertura dos mercados mundiais de serviços são cruciais (por serviços entenda-se desde a montagem de redes de distribuição de vídeo até serviços de engenharia de sistemas de vigilância aérea, passando pelos serviços financeiros e pelo acesso a bancos de dados e serviços de comunicações).
Os Estados Unidos possuem hoje, portanto, uma política externa ativa, de corte militarista, e uma inserção econômica internacional revigorada. São duas condições necessárias para desempenhar o papel de fiel da balança no poder mundial.
Tripé
A terceira perna do tripé, entretanto, tem de ser necessariamente interna. Sem uma sociedade internamente coesa e politicamente estável não há como pretender governar o resto do mundo.
Economicamente, a situação interna dos EUA ainda inspira cuidados. É verdade que novos setores de ponta se afirmaram nos últimos anos, mas há um novo exército de excluídos cuja sorte ainda não está selada.
Os EUA nunca equilibraram seu orçamento, o que significa que o resto do mundo financiou gastos do Estado para atender a um conjunto amplo de setores econômicos e de estratos sociais. E embora a virada de mesa seja inegável, o desequilíbrio comercial dos EUA ainda compõe, com o déficit fiscal, um quadro de fragilidade que deixa a taxa de câmbio instável.
Politicamente, a situação inédita de uma maioria republicana no Congresso promete novas surpresas para o presidente democrata. O cerco ao caso Whitewater continua e as pesquisas eleitorais não apontam um cenário de marcha tranquila para a reeleição de Clinton.
1996 será, portanto, um ano decisivo para a consolidação desse tripé composto pela perna militar, pela da inserção econômica externa e pela estabilidade doméstica. Será também um ano "neoliberal"?

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