São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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União de Gaza e Cisjordânia é um dos desafios

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

Não é apenas pelos colonos que a cirurgia dos irmãos siameses, se e quando completada, transformará em um monstrengo o lado palestino do corpo.
A cabeça (a Cisjordânia, 5.400 km², 1,475 milhão de palestinos e 120 mil colonos judeus) fica a 40 km de distância do resto (a faixa de Gaza, 363 km², 930 mil palestinos, 5.000 judeus).
No meio de ambas, está Israel. Para unir os dois pedaços, surgiram idéias tão mirabolantes como inexequíveis.
As propostas vão de uma linha de helicópteros até um "superminhocão", um elevado de 40 km, pelo qual, claro, interessaram-se empreiteiras européias.
Custaria US$ 500 milhões e levaria dez anos para ficar pronto.
A inviabilidade leva Ualid Siam, vice-diretor-geral do Ministério de Planejamento e Cooperação Internacional palestino, a propor, como "solução óbvia", compartilhar as estradas existentes com os israelenses.
Bastaria, diz Siam, "construir duas pistas extras, pôr um muro no meio e deixar palestinos de um lado e israelenses do outro".
Os líderes dos colonos recusam a proposta, pois acham que os israelenses se tornariam alvo fácil para terroristas, se tivessem uma pista exclusiva.
Para os palestinos, no entanto, é vital estabelecer algum tipo de ligação entre suas partes separadas.
Iasser Arafat, seu líder, calcula que a economia palestina perde diariamente algo em torno de US$ 6 milhões com a separação.
Ele próprio é uma vítima: só pode ir de helicóptero de sua base em Gaza para a Cisjordânia.
E, assim mesmo, se der aviso prévio de quatro horas às autoridades israelenses.
A ligação é mais vital ainda para os habitantes de Gaza, uma das maiores densidades populacionais do mundo e, certamente, a mais alta taxa de desemprego (53% da força de trabalho).
"Temos um mercado pequeno, nenhum espaço livre disponível e uma densidade populacional grande, com 60% de refugiados. Não podemos existir isolados", diz Khaled Abd al Chafi, economista.
Macroeconomia à parte, o isolamento é um entrave também para a vida do cidadão comum.
Um deles ganhou, em janeiro de 1995, o equivalente a US$ 2 milhões na loteria israelense.
Levou três semanas para conseguir deixar a faixa de Gaza, fechada na sequência de um atentado, e poder receber o prêmio.
As dificuldades não desanimam o prefeito, o empresário Auni a-Chaua, que diz terem sido investidos em Gaza US$ 90 milhões em infra-estrutura desde que assumiu o cargo, em julho de 1994.
O preço das propriedades explodiu. "O alto custo é resultado da escassez de terrenos disponíveis e também das grandes esperanças despertadas pela faixa em termos de futuros projetos de construção, principalmente no campo do turismo", diz a-Chaua.
Gaza e Cisjordânia não estão separadas apenas fisicamente. Há uma boa distância entre os palestinos de uma e de outra, social e economicamente.
Para começar, em Gaza, dois terços da população vivem em campo de refugiados, o que significa que foram forçados a deixar suas terras após a ocupação israelense.
Já na Cisjordânia, 61% dos habitantes moram ainda em suas aldeias originais.
Em Gaza, a renda per capita é de US$ 1.300 contra os US$ 2.100 da Cisjordânia.
O que unifica ambos os pedaços do dilacerado território palestino, como em Hebron, é a ligação siamesa com Israel.
Mais de 35% do PIB palestino é formado pela renda daqueles que trabalham em Israel.
Quando o vínculo não é direto, é ao menos indireto: 40% dos trabalhadores palestinos estão empregados em empresas subcontratadas por firmas israelenses.
Dessa vinculação, forçada pela geografia e pela ocupação israelense, surgiram vantagens (abstratas) e desvantagens (práticas).
A vantagem é apontada pelo jornalista Daud Kuttab, um dos principais responsáveis pela implantação da TV palestina: "Quando as pessoas estão lutando por seus direitos, tornam-se muito mais conscientes da necessidade de democracia e da prestação de contas para se proteger".
Por isso, Kuttab acredita que os palestinos terão mais chances de escapar da ocupação israelense e não cair em uma ditadura, comum nos países árabes.
"Enquanto alguns regimes árabes não têm regras, o povo palestino acostumou-se a parâmetros. Eles questionam a autoridade. Fazem-no todos os dias, como resultado da intifada", diz.
A afirmação foi feita em reunião, no dia 8, com os países que vão doar US$ 1,365 bilhão para a Autoridade Nacional Palestina.
Outros bens mais sofisticados são igualmente escassos: o Escritório Central de Estatísticas de Israel apontava, em 1994, que apenas 15,9% das casas da Cisjordânia e 16,8% das casas de Gaza tinham carro.
Televisão, sim, é aparelho de uso corrente, presente em 91,4% das casas de Gaza e em 87,5% das da Cisjordânia.
Mas, como em toda parte, benesses e dificuldades não são igualmente distribuídas.
Em Ramallah, 16 km ao norte de Jerusalém, uma casa cercada de jardins bem cuidados foi vendida por US$ 800 mil. Metros além, famílias de refugiados se amontoam em casas de dois cômodos.
Não há quase casamentos entre palestinos de classe média com propriedades e moradores dos campos de refugiados.
Quando as uniões ocorrem, são fortemente desaprovadas pelos parentes ricos.
Em Gaza, em contraste com os dois terços de sua população que vivem nos campos de refugiados, instalou-se o Le Mirage, sofisticado restaurante de cozinha francesa.
O restaurante é um dos poucos lugares em que as filhas da burguesia local podem usar jeans colados ao corpo sem o temor de despertar a ira dos fundamentalistas islâmicos.
É nessa situação que os palestinos chegaram à primeira eleição nacional, entre profetas e cidades divididas, entre os gritos de guerra dos radicais de parte a parte e o conformismo do homem comum.
"Você estica as pernas de acordo com o tamanho do cobertor", afirma Muhammed Musallem, um jardineiro da faixa de Gaza de 62 anos.
(CR)

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