São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Brasil e Índia: além do bilateral

MARCO MACIEL

Os últimos anos foram pródigos em mostrar que a cooperação pode dar mais frutos e gerar mais progresso do que todas as guerras e todos os conflitos. O crescimento do comércio mundial na última década superou o próprio crescimento econômico do mundo como um todo, o que equivale a dizer que boa parte do desenvolvimento mundial nos próximos anos será fruto do intercâmbio e das trocas comerciais.
O empenho com que se buscam, em todas as partes do mundo, formas de integração econômica parece não deixar dúvidas de que a globalização da economia é uma nova e frutífera fronteira para o bem-estar coletivo, o desenvolvimento e o progresso material.
Podemos ser levados a crer que essas são apenas consequências positivas das transformações econômicas por que está passando o mundo neste fim de século. Essa pode ser até uma forma correta de ver os problemas. Mas é também uma forma incompleta de analisá-los.
Poucas vezes nos temos dado conta de que as provações mundiais deste século, e não foram poucas, tiveram enorme repercussão política. A principal delas parece ser a de que, finalmente, estamos nos convencendo de que os valores democráticos fundamentais são, cada vez mais generalizadamente, uma aspiração universal de todos os povos.
Sabemos que as diferenças étnicas, as diversidades culturais, as concepções religiosas e a assimetria econômica entre as nações não constituem mais qualquer forma de obstáculo nem configuram qualquer tipo de dificuldade nesse processo de aprofundamento de relação no âmbito institucional.
A cooperação é, cada vez mais intensamente, uma forma de distribuir benefícios, disseminar conhecimentos e queimar etapas no caminho do bem-estar coletivo. A tecnologia da comunicação supera todas as fronteiras físicas e exige esforço conjunto de todos os interessados. Esse é também o caminho da ciência e do conhecimento.
Isso nos faz chamar a atenção para a importância cada vez maior de nos aproximarmos de países que, embora geograficamente distantes, representam uma parceria muito importante na busca desses valores: é o caso da Índia, que consolidou há bastante tempo suas instituições democráticas e que é também, como o Brasil, um continente dentro de um continente.
Esse novo momento que estamos construindo na história comum de Brasil e Índia, que receberá um impulso decisivo na viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso amanhã, a primeira de um chefe de Estado brasileiro, representa uma prioridade da política externa brasileira e responde a um forte potencial de aproximação mútua.
As próprias características das nações envolvidas sinalizam as bases de uma parceria sólida e benéfica não só em termos bilaterais, mas também no que diz respeito à estruturação de um sistema internacional mais pluralista e coerente.
A expressão própria do Brasil e da Índia e a sua tradicional e marcante presença em negociações multilaterais evidenciam que o diálogo que estamos desenvolvendo não deixará de ter efeitos positivos sobre o sistema internacional e a necessária reforma das instituições que o fundamentam.
A tendência de aproximação se apóia em algumas semelhanças evidentes. Países de dimensões continentais com populações numerosas, Brasil e Índia enfrentam o desafio comum do desenvolvimento. Representam, contudo, exemplos claros de nações cujo potencial de crescimento econômico já se expressou concretamente, tendo sido alcançado um patamar de notável competitividade em áreas tradicionais e novas.
O corte simplista entre Norte e Sul torna-se assim insuficiente para instruir as respectivas políticas externas, que revelam a inevitável complexidade de quem quer e tem de considerar a agenda internacional em sua totalidade. Ambos os países cumpriram etapas marcadas pela forte presença do Estado como agente do crescimento nacional. Ambos, igualmente, passam por processos de reforma institucional e abertura econômica, condições exigidas para o estabelecimento de uma dinâmica contínua e sustentada de desenvolvimento.
O objetivo compartilhado de fortalecimento de fluxos comerciais e de investimentos constituiu um imperativo comum: o reforço e a multiplicação dos canais de intercâmbio com o mundo.
Adicionalmente, nossas duas sociedades, multiétnicas e complexas, fizeram opções decididas pela democracia como forma necessária de organização política e administração de diferenças, conflitos e interesses. Desenvolvimento e democracia, duas idéias-chave tanto para a vida nacional como para o convívio internacional, têm em Brasil e Índia firmes defensores.
A busca de um consenso universal sobre questões de pauta política deste fim de século, como o meio ambiente, a população, a situação da criança e a condição da mulher, por exemplo, objeto de amplas conferências mundiais, são a melhor indicação de que os métodos de negociação política democrática que viabilizam os sistemas de governo no âmbito interno são passíveis também de serem empregados, com êxito, no campo internacional e na política externa de todos os países.
Se levarmos em conta que essas são pautas políticas internas de relevância na maioria dos países que representam grande parte da população mundial, chegaremos fatalmente à conclusão de que estamos internacionalizando, a nível mundial, as questões e as soluções que constituem hoje os principais desafios da política interna tanto do Brasil quanto da Índia. Enfim, a cooperação, a colaboração, o intercâmbio, o comércio e a troca de experiências podem ser e seguramente serão um poderoso aliado nesse sentido.

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