São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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FHC vai ter de conviver com crise política da Índia

GILBERTO DIMENSTEIN
ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLI

Ao chegar a Nova Déli amanhã, na primeira viagem de um presidente brasileiro à Índia, Fernando Henrique Cardoso encontra o país mergulhado na sua maior crise política gerada por denúncias de corrupção. A imprensa descobriu uma lista de 115 políticos e altos funcionários suspeitos de enviar ilegalmente recursos ao exterior.
A crise ganha especial significado porque estão previstas para abril eleições parlamentares, quando se decidirá quem vai ser o primeiro-ministro.
Num ambiente que lembra o impeachment de Fernando Collor, as investigações já derrubaram três ministros, colocaram vários altos funcionários sob suspeita, atingiram políticos ligados ao governo e, agora, lançam suspeitas diretamente ao primeiro-ministro Narasimha Rao, principal articulador das reformas liberalizantes.
O ministro José Eduardo de Andrade Vieira não vai encontrar com seu colega indiano da Agricultura, responsável pelos acordos iniciais sobre cooperação agrícola; ele estava na lista dos suspeitos de irregularidades e saiu do governo.
Quando descer do avião, FHC vai ser recebido por um ministro do Exterior incluído na lista. Não se sabe se ele continua no cargo até amanhã para receber o tucano.
A efervescência explica o escasso interesse da imprensa pela visita do presidente brasileiro.
O espaço dado pelos jornais à visita de Fernando Henrique é, até aqui, não muito diferente da viagem de um presidente brasileiro aos Estados Unidos.
O ambiente produzido pela atual crise desanimou os diplomatas brasileiros e indianos. Desde 1967, quando a então primeira-ministra Indira Gandhi visitou o Brasil, o Itamaraty tenta programar uma visita de retribuição -até então, esteve aqui apenas Juscelino Kubistcheck, mas ainda na condição de presidente eleito.
Os presidentes José Sarney e Fernando Collor tinham visitas programadas, mas, na última hora, desmarcaram. Os cancelamentos súbitos frustraram a diplomacia indiana que, no geral, sempre esteve ao lado do Brasil nos principais confrontos com os países desenvolvidos, em especial nas discussões sobre ecologia, comércio exterior e questão nuclear.
Como o Brasil, a Índia não é signatária do tratado de não-proliferação nuclear, esteve sob cerco permanente pelos seus projetos bélicos, devido ao atrito permanente com o Paquistão. A Índia foi o primeiro país de Terceiro Mundo a fazer testes nuclear.
Devido sua tecnologia avançada na área, estão programados nessa visita acordos preliminares para utilização do tório, elemento que, se reciclado, produz combustão para as usinas nucleares.
As denúncias de corrupção são parte integrante da vida do Partido do Congresso que, apenas com uma breve interrupção, está no poder desde a independência em 1947. Empresários e diplomatas dizem reservadamente que poucos países exibem tamanha taxa de corrupção.
A Índia sempre se orgulhou de ser a maior democracia do mundo; os indianos acompanham política como os brasileiros, futebol.
Tão antiga como as eleições, são acusações de manipulação, violência e uso do dinheiro para compra de votos promovidos pelo Partido do Congresso.
É antiga a relação entre altos funcionários do governo, empresários e levantamento de fundos eleitorais, tema recorrente da vida brasileira com suas CPIs.
Com uma imprensa livre e investigativa, a Índia acompanha em ritmo de telenovela as descobertas a partir de uma lista com o nome de políticos. Essa relação é de uma empresa, pertence à família Jain, que fazia remessa ilegal de dólares ao exterior, trazendo a suspeita de que, por trás desse dinheiro, estariam negócios escusos.
A investigação é pilotada diretamente pela Suprema Corte. A suspeita de que, como membro tão antigo da vida política, dificilmente Narasimha Rao sairia ileso dessas investigações.
A visão dominante entre analistas de bancos estrangeiros e jornalistas é de que, mesmo que, eventualmente, o primeiro-ministro saia afetado, não levaria retrocesso nas reformas liberalizantes.

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Sobre a Índia à pág. 2-10

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