São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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Princípios, meios e fins

LUÍS PAULO ROSENBERG

O comportamento do Partido Republicano, nos Estados Unidos, levando à interrupção de atividades do governo federal por negar-se a aprovar o orçamento, enquanto não houver um compromisso formal do presidente Clinton em acabar com o déficit público em sete anos, pode ser visto por dois ângulos. Por um lado, trata-se de um ato de desrespeito ao contribuinte, que fica privado de serviços básicos, enquanto permanece o impasse político. Os que enfocam deste prisma, apressam-se em acusar os republicanos de chantagistas mesquinhos, acuando o presidente à custa do interesse maior da população, que culpa, nas pesquisas de opinião pública, a intransigência republicana pela situação de confronto.
Há, porém, uma outra leitura dos fatos. Lembremo-nos que uma maioria republicana domina o Congresso deles desde o ano passado, pela primeira vez em quase 50 anos. A derrota imposta aos democratas decorreu do sucesso de uma campanha estritamente doutrinária, na qual os candidatos republicanos comprometiam-se com um contrato com a América, que estabelecia claramente compromissos de redução do gasto público, diminuição dos impostos e promoção da liberdade econômica individual.
Uma longa lista de projetos defendidos pelos republicanos para consubstanciar o compromisso liberalizante foi divulgada antes das eleições que levou à maioria republicana, com a promessa de levá-los à votação, no Legislativo, nos primeiros cem dias da predominância republicana. Pois bem, num parlamento tradicionalmente até mais enroscado do que o nosso, foi possível cumprir esta promessa, graças ao monolitismo doutrinário do voto republicano e à forma obsessiva com que o presidente da Câmara, o deputado Gingrich, impunha um ritmo frenético às votações. Este rolo compressor modernizante viraria pó, se do Congresso emergisse um orçamento, para o corrente ano fiscal, que não espelhasse um compromisso irreversível com o equilíbrio das contas públicas, donde a intransigência republicana.
Que a ação conjunta da bancada esteja provocando a ira do eleitor, incomodado pelo desconforto de curto prazo de um governo paralisado, só engrandece ainda mais a posição assumida: travar o bom combate, fazer política com "p" maiúsculo, talvez seja isto mesmo: lutar por princípios, não ceder à conveniência do momento.
Pode-se comungar ou não das teses republicanas, mas é inegável que só se reforma uma sociedade atendo-se a compromissos maiores, não tergiversando com ideais, jamais barganhando princípios doutrinários.
A comparação entre o congresso de lá e de cá torna-se irresistível. Tudo normal no comportamento da nossa oposição: seu papel é fazer o contraponto, não apoiar as propostas do governo que se chocam com suas teses partidárias, ainda que a maioria da população defenda ou se beneficie de sua eventual aprovação. O imperdoável é o comportamento de partidos que compõem a maioria governamental. De repente, em votações estratégicas para o esforço do equilíbrio fiscal neste ano, prevalece o maquiavelismo de dar uma estocada no presidente, em detrimento da prioridade maior de garantir a continuidade do Plano Real. Projetos importantes são engavetados, mantidos em banho-maria, até que o Executivo venha, de joelhos, barganhando cargos e obras públicas, para retomar o avanço das reformas. Ministros têm que levar pito em público do presidente, para que interrompam discussões técnicas cruciais em suas pastas e concedam audiência ao nobre parlamentar amuado, que vem pedir a nomeação do neto do sobrinho da tia da amante para o cargo de suplente-adjunto de carimbador-substituto, na comarca de Lençóis Alvos do Sul. Nos Estados Unidos, enquanto a maioria parlamentar republicana vota em bloco suas reformas, aqui a maioria governamental desfigura o próprio programa econômico que o elegeu. Enquanto lá são os deputados que determinam a radicalização, na postura de honrar os compromissos eleitorais, aqui, fazem exigências fisiológicas lideranças políticas que se pensava enterradas pela revolução modernizante, iniciada por Collor. Enquanto lá, o líder republicano Gingrich, graças ao exercício consequente de sua liderança, é nomeado, pela revista "Time", o homem do ano, aqui, há liderança parlamentar que se queixa, na imprensa, da falta de afagos e carinho do presidente. Pigmeu franciscano ou baitola, concorrente ao título de Homem do Ânus?

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