São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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O que diria Einstein do Sivam

LUIZ PINGUELLI ROSA

O presidente Fernando Henrique em recente entrevista defendeu-se das críticas da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) ao Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), mandando os físicos, com suas fórmulas difíceis e abstratas, cuidarem de projetos mais baratos do que o Sivam. A Aeronáutica está exposta na mídia, mas é a política econômica que condiciona tudo aos investimentos externos. Subordinou o Sivam ao Eximbank, destinado ao fomento da indústria e da tecnologia norte-americana. Por que o presidente não renegocia esta condição para ampliar a participação nacional e as parcerias? Poderia convidar a SBPC para reunião técnica com os engenheiros da Aeronáutica, como fez a Coppe/UFRJ (Unidade Federal do Rio de Janeiro), para filtrar críticas. Por incrível que pareça, os cientistas são cidadãos e devem usar o privilégio de possuírem um conhecimento muito especializado para exercerem a crítica aos governos, aos sistemas políticos, inclusive à política econômica liberal que tira os empregos, associada ao uso de tecnologia sem controle social. Estimulado pela enigmática frase do presidente, resolvei refletir: o que diria Einstein sobre o liberalismo, as privatizações etc?
Transcrevo abaixo citações do maior físico deste século, com base no artigo de José Leite Lopes "Einstein: a paixão de um cientista pelos problemas sociais", publicado no livro "Einstein e o Brasil", de Ildeu de Castro Moreira e Antonio Augusto Videira, Editora UFRJ, 1995.
1. Seria aconselhável para quem não é especialista em questões econômicas e sociais expressar opiniões...? Eu creio que sim por várias razões. Consideremos primeiro o problema do ponto de vista do conhecimento científico. Poderia parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre astronomia e economia: cientistas em ambos os domínios procuram descobrir leis geralmente aceitáveis para um grupo circunscrito de fenômenos com o fim de fazer a interconecção desses fenômenos tão claramente quanto possível. Mas, em realidade, tais diferenças metodológicas existem. O descobrimento de leis gerais no campo da economia é dificultado pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são, muitas vezes, afetados por muitos fatores que são difíceis de avaliar separadamente. Ademais, a experiência que se acumulou desde o começo do período denominado civilizado da história humana foi -como é bem conhecido- grandemente influenciado por causas que não são de maneira nenhuma de natureza exclusivamente econômica.(1)
2. Não há capacidade para que todos aqueles em condições de trabalhar e que querem trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego... O trabalhador está constantemente com medo de perder seu emprego... O progresso tecnológico frequentemente dá lugar a mais desemprego ao invés de uma diminuição da carga de trabalho para todos.(2)
3. A ligação fundamental parece ser a liberdade quase ilimitada do mercado de trabalho combinada com o progresso extraordinário dos métodos de produção. Para satisfazer às necessidades do mundo de hoje, não se necessita de toda a força de trabalho disponível. O resultado é o desemprego e uma competição desleal entre os trabalhadores. Ambas as coisas reduzem o poder de compra e, consequentemente, deslocam todo o sistema econômico de seus eixos. Eu sei que os economistas liberais sustentam que toda economia no trabalho é compensada... Mas, para começar, não creio nisso, e ainda que fosse verdade, os fatores mencionados acima obrariam sempre para baixar o nível de uma grande parte da humanidade a um ponto artificialmente baixo.(3)
4. O capital privado tende a ficar concentrado em algumas mãos, em parte, devido à competição entre os capitalistas e, em parte, porque o desenvolvimento tecnológico e a divisão de trabalho, ao aumentar, estimulam a formação de unidades maiores de produção em detrimento das menores. O resultado deste desenvolvimento é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser efetivamente controlado ainda que por uma sociedade política, democraticamente organizada. É verdade que os membros de organismos legislativos são selecionados por partidos políticos, amplamente financiados ou influenciados por outros meios, pelos capitalistas privados, os quais, para todos os fins práticos, separam o eleitorado da legislatura. E os representantes do povo, então, não dão suficiente proteção aos interesses das classes subprivilegiadas da população. Sobretudo, nas condições existentes, os capitalistas controlam inevitavelmente, direta ou indiretamente, as fontes principais de informação (imprensa, rádio, educação). É, assim, extremamente difícil, e na maioria dos casos impossível, para o cidadão individual retirar conclusões objetivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos.(4)
5. A educação do indivíduo, além de promover suas capacidades inatas, procuraria desenvolver nele um sentido de responsabilidade com relação aos seus concidadãos, em lugar da glorificação do poder e do êxito na sociedade atual... Como podem ser os direitos do indivíduo protegidos e, assim, assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?(5)

(1) De artigo na "Monthly Review", 1949; (2) "Ideas and Opinions", pág. 157; (3) "Mein Weltbild", 1934; (4) "Ideas and Opinions", pág. 156; (5) "Ideas and Opinions", pág. 158.

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