São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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A indústria nacional no Sivam: breve análise

SÉRGIO XAVIER FEROLLA

Uma abordagem do projeto Sivam, sob os aspectos tecnológico e industrial, deve levar em consideração fatores técnicos e econômicos coerentes com a realidade brasileira e não com teses idealistas, por mais bem-intencionadas que possam parecer.
A experiência acumulada, pelo Ministério da Aeronáutica, em programas de grande vulto, em benefício do desenvolvimento científico, tecnológico e industrial, por mais de quatro décadas, tem balizado suas ações mais recentes de forma a evitar incidentes de percurso que possam prejudicar os diversos setores envolvidos e os objetivos maiores almejados.
Em 1950, quando não se cogitava nem sequer da fabricação de bicicletas em nosso país, a Aeronáutica iniciava as atividades do CTA (Centro Técnico Aeroespacial), com a implantação e funcionamento do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), para a formação de engenheiros eletrônicos e aeronáuticos. Era assim plantada a semente que germinaria, em recursos humanos do mais alto nível, laboratórios sofisticados, indústrias de interesse nacional e finalmente, em 1968, da Embraer, empresa líder do setor aeroespacial brasileiro.
Inúmeras empresas se nuclearam no país, em decorrência das tecnologias desenvolvidas no CTA e das demandas do setor aeronáutico, civil e militar, tendo o Ministério sempre buscado estimular a consolidação do florescente parque industrial de interesse aeroespacial. Recomendava-se, porém, que as empresas tivessem em mente a necessidade da diversificação dos seus produtos no campo profissional, de forma a não criarem uma dependência exclusiva das encomendas aeronáuticas, passíveis de variações cíclicas e sem um lastro orçamentário assegurado.
Tal orientação viabilizou o sucesso de mais de uma dezena de empresas especializadas na década de 80, que permitiram à Aeronáutica se lançar no Programa AMX, um empreendimento tecnológico e industrial de interesse militar que, em parceria com o governo da Itália e suas indústrias de defesa, permitiu ao Brasil o acesso a novos patamares técnicos e operacionais.
Paralelamente, desde o início dos anos 70, a Aeronáutica começou a implantação de um moderno sistema de controle de tráfego aéreo e defesa aérea, através dos Cindacta, reformulando toda a rede de proteção ao vôo no país.
A preocupação com o envolvimento do parque industrial brasileiro foi sempre uma constante nos programas da Aeronáutica, considerada porém como essencial a garantia de planos de carga viáveis, de forma a não gerar investimentos sem retorno, capazes de inviabilizar os resultados já assegurados.
As seguidas restrições orçamentárias da última década têm exigido, do Ministério da Aeronáutica e das empresas nacionais envolvidas com o setor, sacrifícios significativos, recomendando ações cada vez mais cautelosas, de forma a preservar um patrimônio duramente conquistado para o país.
Como exemplo das dificuldades para se implementar projetos de conteúdo tecnológico avançado na indústria brasileira, basta lembrar que, nos anos 70, o CTA desenvolveu um radar meteorológico com financiamento do BNDES e da Finep, tendo transferido as informações e a equipe técnica para a indústria brasileira. Somente em 1995 obteve a Aeronáutica os recursos necessários para encomendar uma série de dez radares, que irão equipar os Cindacta.
Quando se volta a pensar na implementação de um avançado sistema de detecção e controle na região amazônica, exigindo alguns equipamentos de última geração, soa como de absoluta incoerência argumentar que a maior parte de tais equipamentos venha a ser produzida no Brasil, sem se levar em consideração os elevados custos de capacitação exigidos pelo parque industrial nacional e a consequente ociosidade decorrente, quando da entrega das poucas unidades necessárias ao sistema.
Aqueles equipamentos cujo conteúdo tecnológico já esteja disponível no país serão aqui produzidos, como continuação de anos de investimentos feitos pela Aeronáutica na indústria local, seguindo o conceito de planos de carga e realidade técnico/econômica.
As poucas unidades de equipamentos sofisticados, particularmente sensores radar tridimensionais e sensores embarcados em aeronaves, serão adquiridas no exterior de empresas que, em seus países de origem, lutam pela própria sobrevivência, sustentadas que foram, até a data recente, pela milionária indústria de defesa da época da Guerra Fria.
Importante, porém, é que tais sensores serão aqui integrados em um sistema de concepção brasileira, por técnicos brasileiros e cuja inteligência e banco de dados decorrente serão administrados e manipulados sob a supervisão do governo do Brasil, permitindo aos responsáveis pelo planejamento estratégico nacional, aos pesquisadores e cientistas, o acesso a informações preciosas, até então camufladas sob o manto verde da floresta amazônica.

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