São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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A maior das mazelas tributárias

LUIS ROBERTO PONTE

Quem não está convencido de que daria uma destinação mais nobre ao dinheiro que gasta com o pagamento de seus impostos? Quem, em vez de melhorar a qualidade de vida de sua família, aumentar o salário de seus trabalhadores ou ampliar sua atividade de empreendedor, prefere ajudar a pagar os políticos e as aposentadorias múltiplas, precoces e privilegiadas, a fazer obras que sempre se supõe superfaturadas e de importância duvidosa ou a manter o empreguismo, os supersalários, as fraudes e favorecimentos do setor público?
Com as exceções de sempre, pagam impostos apenas os que temem as consequências pessoais da sonegação. Ela se alastra quando é de difícil comprovação, ou quando detectada, implica pequena punição.
A prática de deixar de pagar impostos vem recebendo adesões naturais e crescentes em todos os países, ainda que menor onde é maior a confiança na capacidade do governo gerir, com correção e probidade, os recursos públicos.
Todavia a possibilidade e a disseminação da sonegação, ou de qualquer tipo de evasão fiscal, provocam trágicas mazelas a um país, como: os desvios éticos da mentira, do furto e da extorsão; o déficit público, que fomenta a inflação; a concorrência da economia subterrânea, que inviabiliza a sadia economia de mercado; os gastos imensos e inúteis para a exação fiscal; a injustiça tributária; os desperdícios com os aparatos repressores e o contencioso judicial; a perda de capacidade do governo de promover melhor distribuição da renda; o aumento desmesurado da carga e da quantidade de impostos na busca da arrecadação indispensável, que provoca mais sonegação, empobrece o consumidor e retira a competitividade nas exportações.
Na discussão nacional sobre as mudanças do sistema tributário muitos advogam, por isso, que se deve apenas ampliar a fiscalização, aumentar as penalizações por crimes tributários e reduzir as alíquotas, para fazer desabar a sonegação, além de eliminar algum imposto em "cascata", escolhido o vilão do sistema, com o que, supõem, resolveriam todos os problemas fiscais.
Esquecem-se de que acabar com a sonegação tem sido meta sincera e sempre descumprida de todos os governos, e de que ela aumenta em todo o mundo pela insatisfação universal com a gestão do Estado e a crescente convicção de que os recursos públicos são muito menos produtivos do que se retirados e geridos diretamente pelos cidadãos.
Ainda bem que já não é mais necessário discutir se aquelas ou quais medidas são eficazes para erradicar a sonegação nem se a tendência do seu crescimento mundial é ou não um fenômeno passageiro.
Há uma boa nova em matéria tributária: a possibilidade concreta, surgida dos novos costumes e conquistas tecnológicas, de se criarem impostos insuscetíveis de serem sonegados e sem a necessidade de qualquer fiscalização e despesas para a sua exação. E, mais importante ainda, que cumprem, melhor que os atuais, todos os princípios recomendáveis a um sistema tributário.
Apenas para ilustrar essa afirmação, pergunte aos incrédulos sobre o IPMF: se algum brasileiro o sonegou; se foi necessário algum fiscal para que todos o pagassem; se houve algum gasto das pessoas ou do governo para sua arrecadação; se todos entendiam as suas regras e o que estavam pagando; se ele foi ou não preponderantemente pago pelos que mais podiam.
Foi sua insonegabilidade que o fez, com pequena alíquota e apesar das isenções indevidas impostas pelo STF, arrecadar mais -pasmem- do que o IRPJ! O mais incrível, porém, é que há tributo com novas forma e base de arrecadação, ainda melhor, mais econômico, mais justo e -se é que é possível- mais insonegável que o próprio IPMF.
Há proposta, entre outras, tramitando no Congresso -a PEC-46/95-, já profundamente analisada, que introduz esse novo paradigma, contemplando uma transição e uma flexibilidade constitucional que eliminam, de quem a examine com profundidade, o receio de qualquer risco ou inconsistência. Embora haja uma massa de apoio muito importante no Congresso, ela não será aprovada contra a vontade do governo, o qual, até agora resistente a mudanças profundas, não crê na sua viabilidade, sem se ter disposto, no entanto, a discuti-la em seu âmago e plenitude.
Sem uma reversão desse quadro ela possivelmente não vingará neste momento. Mas certas mudanças são inexoráveis. Não deveremos entrar no próximo milênio sem um sistema tributário insonegável, justo, automático, de custo de exação próximo a nada e que libertará a nação e o cidadão das terríveis consequências da maior de todas as mazelas tributárias: a evasão fiscal, real ou suposta, involuntária ou intencional, ilegal ou "legalizada", justificável ou iníqua. Felizmente, isso já não é mais uma utopia.

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