São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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Aparências

ANDRÉ LARA RESENDE

O presidente Fernando Henrique, como mostraram as pesquisas recentes, conta com um alto nível de aprovação. O brasileiro está comendo mais proteína, o preço da cesta básica está estável, o salário cresceu e o consumo de alimentos deu um salto. É pelo menos um bom começo. Uma das críticas mais comuns ao seu governo, entretanto, é a de que "não fez nada pelo social".
A expressão deve ser relativamente recente, mas pegou. É uma espécie de código para, sem dar ao trabalho de refletir e apresentar evidências, afirmar que o governo não compartilha da preocupação com os pobres e os desfavorecidos.
Ao proferi-la somos acompanhados de uma sensação reconfortadora: faço parte dos que se preocupam com os menos afortunados; não sou como o governo, insensível ao sofrimento humano.
A miséria, a legião de excluídos que convivem com o Brasil dinâmico, moderno e consumista é uma dura realidade. Longe de mim negá-la ou minimizar a urgência em enfrentá-la, mas a verdade é que desconfio da eficácia das iniciativas governamentais voltadas explicitamente para "o social".
Há algumas semanas, o "The Economist", num editorial, desenvolveu um argumento interessante: confundir o governo ativo com o bom governo é um dos maiores erros de nossa época.
Não se trata da velha discussão sobre o tamanho do governo ou do papel do Estado na economia e na sociedade, pois os dois lados do debate ideológico são vítimas do mesmo equívoco. Os liberais mais radicais, que defendem o Estado mínimo, compartilham com os intervencionistas convictos a tese de que o bom político, o bom governo, é o que mantém um ritmo frenético de atividade.
A verdade é que, insuflados pelos meios de comunicação, os eleitores cobram ação dos políticos para resolver toda sorte de problemas. Se algo há de errado, alguma coisa deve ser feita e a responsabilidade é do governo. Há um enorme grau de irrealismo nessa exigência.
Infelizmente, a maior parte do que há de errado no mundo não é passível de ser corrigida pela ação governamental. Eleitores e políticos, entretanto, gostam de fingir que é. Os comentaristas, evidentemente, também querem acreditar que assim seja, pois só assim há o que ser cobrado, assunto e polêmica.
O resultado é que tanto os políticos, que querem se reeleger, quanto os governos em busca da aprovação popular sentem-se na obrigação permanente de demonstrar que estão agindo para resolver toda sorte de males.
Na maioria das vezes sem a mais leve idéia do que fazer para solucioná-los, os políticos substituem a reflexão e a ação objetiva por um ritual frenético para "criar fatos novos", "criar notícias".
Para tal existem duas estratégias mais comuns. A primeira é aquela em que Jânio Quadros era mestre: criar uma personagem, se transformar num tipo exótico, surpreender, e, sobretudo, não sair da mídia. A segunda é menos histriônica e talvez mais lesiva aos cofres públicos: anunciar novos programas, dedicar verbas com estardalhaço e inaugurar obras com grande cobertura jornalística.
Não há nenhuma garantia de que o bem-estar da população irá melhorar. Como ninguém foi eleito para aumentar os impostos, a conta será inexoravelmente cobrada pela inflação. Mas inflação, ora a inflação é culpa dos especuladores, dos atravessadores, e não se poderá ser acusado de "não fazer nada pelo social".

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