São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 1996
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Baixarias viram filosofia em 'O Balconista'

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ligação entre "O Balconista" com "Stranger than Paradise", de Jim Jarmush, é direta. Nem parece que dez anos separam a fotografia em preto-e-branco cremoso e o tom monótono dos personagens de ambos os filmes, que manifestam uma total indiferença a tudo o que acontece ao seu redor, inclusive às próprias vidas.
O trabalho como balconista numa loja de conveniências em New Jersey é o inferno de Dante (Brian O'Halloran), o personagem principal da trama. Trata-se de um inferno bem geração X; um subemprego que só rende tédio, conversas desconexas e rock "alternativo" (Alice in Chains, Bad Religion, Soul Asylum, Jesus Lizard, Seaweed, etc).
O lugar parece uma daquelas paradas antes do deserto. Um cenário extraído de Samuel Beckett. Mas, ao contrário da famosa peça, Dante e seu vizinho Randall (Jeff Anderson), o balconista da videolocadora ao lado, sabem que Godot não vem. Eles estão apenas desperdiçando o fim de suas adolescências.
"O Balconista" é um daqueles filmes do tipo em que "nada acontece, porque assim é a vida". A história é uma série de piadas sobre hockey, pornografia, morte, relacionamentos e -é claro- clientes, contadas sob o ponto de vista de dois vintões brancos, que não fazem outra coisa além de sentar e conversar para passar o tempo (90 minutos na tela, o que equivale a um dia na vida dos personagens).
Parece chato, mas na verdade é engraçado, especialmente quando a obcenidade se transforma em filosofia e palavrões viram poesia. A discussão de Dante com sua namorada sobre sexo oral ou a fixação de Randall por sexo bizarro são os pontos altos que quase foram cortados para o filme ser exibido nos cinemas americanos.
A dupla de existencialistas de balcão também consegue encontrar uma perspectiva marxista na trilogia de "Guerra nas Estrelas". Um achado.
O diretor Kevin Smith, que estreou com "O Balconista", em 1994, costumava trabalhar numa loja de conveniência. Filmou com um orçamento de franquia do Seven Eleven -US$ 27.500-,e impressionou Cannes (prêmio da crítica) e o festival independente de Sundance (melhor filme).
O pequeno orçamento transparece no uso de atores amadores, como em "Kids", e até no foco. Mas ainda bem que Smith evitou os clichês da indústria, deixando de fora, no corte final, a morte de Dante, baleado num assalto à loja. A cena só aparece na versão em laser disc.
Smith escreveu o papel de Dante para si próprio, mas o trabalho de diretor o fez mudar de idéia. Mesmo assim, ele aparece como figurante (o Silent Bob).
Com o sucesso de "Os Balconistas", Smith pôde dar um adeus definitivo às lojas de conveniência. Agora, só shopping center. "Mallrats", sua nova comédia ainda sobre a geração que é uma letra, também se passa em New Jersey e traz o personagem Silent Bob - é a versão mais sofisticada de "Os Balconistas".

Vídeo: O Balconista
Direção: Kevin Smith
Elenco: Brian O'Halloran, Marilyn Ghigliotti, Jeff Anderson, Jason Mewes, Lisa Spoonauer
Distribuição: PlayArte (tel. 011/575-6996)

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