São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 1996
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Meus queridos franguinhos

ANTONIO DELFIM NETTO

Nossos galiformes nunca estiveram tão alto no conceito dos poderosos. Na intimidade, nosso ilustre presidente chama-os carinhosamente de "mes petits poulets". Ele insiste que, graças ao Plano Real, todos os brasileiros passaram a degustar, em média, nada menos do que 23,3 quilos por ano de "poulet rôti" (23% a mais do que em 1994).
Alguns céticos, preocupados com tal precisão, perguntaram-se se não seria esse um "aparente aumento de consumo", em lugar de um "aumento de consumo aparente".
Justamente incomodados com tal ceticismo, técnicos governamentais retrucaram com cálculo ainda mais preciso. Fomos todos informados que no "anno humanae salutis" de 1995 cada brasileiro consumiu em média 2.545 calorias/dia (4,6% a mais do que em 1994) e 71 gramas de proteínas/dia (7,6% a mais do que em 1994). Robusto crescimento de "consumo aparente", bem mais convincente do que os 30% genericamente mencionados pelo governo.
Todo esse esforço para mostrar que houve um aumento de consumo é perda de tempo. É evidente, por exemplo, que houve (e tem havido há muito tempo) um enorme avanço do consumo de carne de frango no Brasil e no mundo.
A produção brasileira cresceu entre 1989 e 1995 a 12% ao ano. E nossas exportações no mesmo período cresceram em 15% ao ano. Infelizmente, em 1995 elas diminuíram 23% (de 480 mil para 370 mil toneladas) graças à sobrevalorização cambial e à competição desleal dos EUA.
E não se fale em produtividade, porque um estudo da IFC (Banco Mundial) de setembro de 1995 mostrou que nossa avicultura é a mais eficiente do mundo. Os EUA nos deslocaram no mercado internacional porque entregam, sob os olhos complacentes do nosso governo, milho de graça aos seus produtores para compensar a diferença entre os preços internos e externos.
A queda de nossa exportação, que em condições normais de pressão e temperatura poderia ter atingido 550 mil toneladas em 1995 (contra as 370 mil realizadas), somada ao aumento da produção, ampliou a disponibilidade interna de 2,9 milhões para 3,7 milhões de toneladas.
O frango é um produto perecível. Uma vez produzido tem de ser consumido ou perdido, porque ele não aguenta carregar os juros da estocagem. É por isso que os ganhos de produtividade do setor têm sido transferidos para os intermediários e consumidores na forma de uma redução do preço real do frango recebido pelos agricultores, que caiu quase 40% entre 1990 e 1995. Mas isso não teve nada a ver com o Plano Real.
Agora parece que a situação piorou. Em 18 meses (julho 1994 - janeiro 1996), o milho aumentou 38%; o farelo de soja, 37% e o salário mínimo, 54%. Apesar da queda de preços do pinto de um dia (19%), o custo total passou de R$ 0,57 por quilo para R$ 0,72, mas o preço recebido pelos produtores paulistas baixou para R$ 0,50 o quilo, transformando a avicultura numa atividade deficitária.
O ajuste, mais dia menos dia, será feito pela redução da oferta. Seria bom aconselhar o presidente a não insistir no "poulet rôti" como símbolo da estabilização. Como diria Plínio, "Lactis gallinacei haustum sperare". Não se deve esperar leite de galinha...

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