São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Mitos sobre o federalismo

LUÍS NASSIF

Recém-lançado, o trabalho "Federalismo Fiscal no Brasil" -um cartapácio de 53 páginas, recheado de números- constitui-se no mais profundo inventário até agora efetuado sobre a evolução das receitas e despesas públicas no país, de acordo com os três níveis administrativos.
Os autores José Roberto Rodrigues Afonso (um dos poucos especialistas nacionais em contas públicas) e Júlio César Maciel Raimundo -economistas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)- foram buscar dados primários na Fundação Getúlio Vargas e no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E montaram séries relevantes sobre a contabilidade nacional que ajudam a desmistificar uma série de dogmas que cercam o federalismo brasileiro.
1) Ao contrário do que comumente se sustenta, houve descentralização de encargos para Estados e municípios.
Os governos estaduais e municipais respondem por 56% da arrecadação de impostos e 71% da receita disponível; por 61% do consumo total do setor governamental; e por 78% do investimento público (excluindo empresas públicas).
No item receita corrente própria é possível perceber grande evolução dos municípios. De 9% de participação no bolo total em 1950, saltam para 12% em 1988 e chegam a 19% no período 90/91.
2) O federalismo tributário brasileiro já é uma realidade.
O problema que enfrenta decorre do fato da descentralização ter se dado de forma desordenada. Por isso, sua consolidação depende muito menos de alterações na Constituição e mais nas normas pertinentes à administração pública e a orçamentos.
3) Não foi a Constituinte que promoveu a descentralização tributária. Ela apenas a referendou e moralizou.
O aumento de participação de Estados e municípios na receita tributária disponível cresceu desde o início dos anos 80. O que a Constituinte fez foi automatizar as transferências, impedindo negociações políticas por parte do governo federal.
4) Mas foi a Constituição que ajudou a inviabilizar a Previdência Social.
Em 1988 as receitas do orçamento fiscal eram superiores às contribuições para a seguridade. Em 1995, impostos e taxas não chegaram à metade da seguridade.
5) O aumento das receitas de municípios não foi utilizado exclusivamente em ampliação das despesas correntes.
Estados e municípios ampliaram a participação nos gastos totais com servidores públicos, na compra de bens e serviços, mas, principalmente no investimento fixo. Nesse último item, o trabalho constata "marcante participação das prefeituras".
No item aquisição de bens e serviços, a União foi responsável por gastos equivalentes a 5,81% do PIB (Produto Interno Bruto), contra 7,98% dos Estados e 5,20% dos municípios. Na formação bruta de capital fixo, a União entrou com 0,67% do PIB, contra 1,41% dos Estados e 1,30% dos municípios. Na parte de salários e encargos, 3,21% do PIB por conta da União, contra 4,85% dos Estados e 2,25% dos municípios.
6) O ajuste da dívida pública, promovida pelo calote do governo Collor, foi para o espaço.
Em 1970, juros e encargos das dívidas interna e externa representavam 1,3% do PIB -sendo 79% de responsabilidade da União, 19% dos Estados e 2% dos municípios.
No período 90/91, após o calote, o peso desse item caiu para meros 1,3% do PIB. Em 1994 saltou para 11% do PIB, com a União respondendo por 94%, Estados por 5% e municípios por 1%.
7) A União perdeu participação mas não perdeu receita.
Em 1970, a despesa pública total alcançava 28,4% do PIB, com a União respondendo por 56%, Estados por 34% e municípios por 10%. No período 90/91 a despesa pública total saltou para 32,7% do PIB, 51% dos quais da União, 33% dos Estados e 17% dos municípios.
Em termos absolutos, a conta foi bancada pelo contribuinte. A União manteve sua participação no PIB em 17% (1% a mais, aliás, do que em 1970). Estados sofreram queda de 19% em 1970 para 17% em 1990. E os municípios aumentaram sua participação de 3% em 1970 para 6% em 1990.
8) Apesar da crise fiscal dos anos 80, aumentou a participação do Estado na economia.
A presença do setor público saltou de 7% em 1980 para 12% em 1990. E de 12% para 20% do consumo nesse mesmo período.

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