São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Desemprego

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"Há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras odiosas e estatísticas"
Mark Twain

Líderes de centrais sindicais saíram da reunião de anteontem com o ministro do Trabalho declarando que o governo está sem propostas concretas para conter o desemprego. "Eles querem um entendimento, mas não propõem nada", disse um deles.
A razão dessa inércia talvez esteja no fato de que o governo tem uma tendência a subestimar a gravidade do problema. É o que se pode depreender de entrevistas recentes do presidente da República, particularmente da entrevista coletiva da semana passada, quando FHC fez o possível e o impossível para minimizar a gravidade da questão no Brasil.
Como notou Nelson de Sá, na Folha de S. Paulo, o discurso do presidente é ambivalente. Por um lado, o problema do desemprego é "mundial". Mensagem implícita: o brasileiro tem que se conformar em participar em alguma medida dessa tendência global. Por outro lado, segundo FHC, o desemprego no Brasil é um problema "localizado", que existe "para certos setores, para certas camadas".
Além disso, em 1995, as taxas de desemprego teriam permanecido estáveis ou crescido muito pouco. "Quando se compara a taxa de desemprego no Brasil com a de outros países, países já desenvolvidos, vai se ver que a nossa se situa entre as mais baixas que existem hoje", ressaltou o presidente. E mandou distribuir à imprensa dados em que o Brasil aparece muito bem posicionado, com uma taxa de desemprego de 5%, em comparação com taxas de 11,5% na União Européia, 6,2% nos EUA e 3,0% no Japão, por isso mesmo, vítimas contumazes das mais estapafúrdias confusões estatísticas, patrocinadas muitas vezes pelos governos do momento.
Temos, também, uma certa reverência pela autoridade. E a democracia entre nós, com tudo que ela implica em termos, por exemplo, de vigilância permanente sobre a precisão e confiabilidade das informações que os governantes põem em circulação, ainda está engatinhando.
O tema do desemprego é vasto e o espaço da coluna é pequeno (e a disposição do leitor para discussões estatísticas, provavelmente menor ainda). Vou me limitar a alguns poucos pontos.
Não é preciso ser especialista no tema para perceber o quanto é falaciosa a comparação entre a taxa de desemprego aberto, calculada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e as taxas de desemprego nos países desenvolvidos, onde o nível de renda e riqueza "per capita" é mais alto, o mercado de trabalho mais homogêneo e o sistema de seguro-desemprego e outros programas sociais mais abrangentes e generosos.
Nessas circunstâncias, a taxa de desemprego aberto (a relação percentual entre o número de pessoas desocupadas à procura de emprego e a força de trabalho total) tende a ser maior do que numa economia subdesenvolvida como a brasileira, onde cerca de metade da população ativa está no mercado informal e o seguro-desemprego oferece uma cobertura muito menor. O trabalhador brasileiro não pode se dar ao luxo de ficar muito tempo no desemprego aberto.
Definições mais amplas de desemprego, que procuram captar o subemprego, o emprego precário e outras formas de desemprego, acusam taxas substancialmente mais altas.
Por exemplo, a pesquisa realizada mensalmente pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) e pela Fundação Seade, na Grande São Paulo, registrou uma taxa de desemprego total (desemprego aberto mais desemprego por trabalho precário e por desalento) de 13,2% em dezembro de 1995, quase três vezes a taxa de desemprego aberto divulgada pelo IBGE.
O próprio IBGE calcula uma taxa de desemprego definida de forma mais ampla, que inclui desocupados e ocupados com rendimento inferior a um salário mínimo. Esta taxa alcançou 12,4% em novembro do ano passado, contra 4,7% na definição destacada na entrevista do presidente.
A afirmação de que as taxas de desemprego ficaram estáveis ou cresceram pouco em 1995 também não pode ser aceita sem reservas. Nesse caso, a falácia é de outro tipo e consiste basicamente em trabalhar com a média anual, o que permite ocultar os efeitos da retração do nível de atividade sobre o desemprego a partir de meados do ano passado.
Com alguma defasagem, a maioria dos indicadores de emprego e desemprego acusa os efeitos da recessão que se instalou na economia, particularmente no setor industrial, a partir do segundo trimestre de 1995.
Quando se observa um período mais longo, a tendência de agravamento do problema do desemprego aparece mais claramente. A taxa de desemprego aberto do IBGE passou de uma média de 3,6% no período 1987-89 para 4,7% em média em janeiro-novembro de 1995.
A taxa de desemprego total na Grande São Paulo, segundo a pesquisa Dieese/Seade, passou de 9,2% em média em 1987-89 para 13,2% em média no ano passado.
Finalmente, a afirmativa de que o problema seria localizado ou setorial não encontra suporte nos dados do próprio IBGE. O que se observou em 1995 foi um aumento quase generalizado das taxas de desemprego aberto por setor de atividade quando se compara novembro de 95 com igual mês do ano anterior.
O aumento foi mais acentuado na indústria de transformação e na construção civil, mas ocorreu também no comércio e em outras atividades (Ver IBGE, "Pesquisa Mensal de Emprego", novembro de 1995).
Se pretende de fato enfrentar o problema com seriedade, o governo precisaria, para começo de conversa, abordá-lo com mais franqueza e precisão.

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