São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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O dilema da Previdência Social

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Se há um mérito no acordo governo-centrais sindicais, é o de ter trazido para o debate a natureza ambígua do nosso sistema de Previdência Social: apenas os que têm vínculo formal de emprego contribuem, mas todos têm direito à aposentadoria, inclusive os que não contribuem.
É uma contradição que impede o equilíbrio financeiro do sistema. Mesmo que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) aprimorasse sua gestão, eliminasse a sonegação e extirpasse a corrupção, o desequilíbrio permaneceria. É por isso que as alíquotas de contribuição precisam ser tão altas e o valor dos benefícios tão baixo. A conta não fecha, nunca.
Para resolver a contradição, o governo e as centrais propõem que os que não contribuem não tenham acesso aos benefícios. É o óbvio, mas não é o justo, porque exclui os que mais precisam de proteção.
Não podemos ignorar que a grande maioria dos trabalhadores não é contribuinte permanente do INSS. É por isso que, dos 16 milhões de aposentados e pensionistas, nada menos que 11 milhões (ou seja, 70%) recebem um salário mínimo.
Em sua grande maioria, não conseguiram comprovar tempo de contribuição e, por essa razão, recebem apenas o benefício mínimo.
Na verdade, o projeto do governo tenta somente resolver o problema de caixa do INSS, à custa, principalmente, dos excluídos do mercado formal de trabalho. Se aprovado, o sistema ficaria ainda mais elitista e, pior, continuaria inviável.
O próprio ministro Stephanes afirma que a verdadeira reforma terá que ser feita daqui a cinco anos. Ora, se a proposta do governo é incompleta e elitista, por que não negociar, agora, um projeto definitivo e mais justo? Por que esperar mais cinco anos?
Precisamos uma solução mais equilibrada e duradoura. Uma reforma honesta e viável deve enfrentar com coragem e clareza o dilema básico: como proteger os que não podem contribuir, sem prejudicar os que contribuem?
Para resolvê-lo, a reforma terá de se valer de três princípios:
a) Para os que não têm renda ou emprego permanentes (e que não podem contribuir), o Estado concederia uma renda vitalícia mínima, a partir de uma determinada idade.
Esse sistema seria, portanto, público e não-contributivo. Seria um programa explícito e permanente de transferência de renda, com a finalidade de reduzir a pobreza entre os idosos.
Como não teria sentido financiá-lo por meio de contribuições sobre a folha de salários, seriam utilizados recursos da arrecadação geral da União, principalmente do Imposto de Renda. Daí, a necessidade de fazer a reforma fiscal e tributária concomitantemente com a da Previdência.
b) Os que têm emprego e/ou renda permanentes contribuiriam para fundos de aposentadoria privados, operando sob o regime de capitalização. O valor da aposentadoria dependeria de quanto o indivíduo tivesse poupado durante sua vida. Todos os brasileiros nessas condições seriam obrigados a contribuir para um fundo, de sua livre escolha.
A vantagem adicional desse modelo seria a criação de uma enorme massa de poupanças de longo prazo, capaz de alavancar o desenvolvimento econômico.
c) A partir de um dia D, os que ingressassem no mercado de trabalho iriam para o novo sistema. Para os que já estão no mercado e contribuem para o sistema antigo, haveria uma regra de transição justa e transparente. Eles poderiam optar: migrariam para o novo sistema ou permaneceriam no antigo.
Nesse caso, seus direitos seriam respeitados (naturalmente, corrigindo-se os excessos de algumas aposentadorias muito "especiais").
A cada dia que passa, as questões fundamentais e as implicações das escolhas disponíveis estão ficando mais claras. Balizando a discussão em torno desses três pontos, poderemos avançar na reforma previdenciária.
Se o corporativismo e o populismo forem contidos, será possível fazer a verdadeira reforma e resolver o dilema da Previdência.

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