São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Banespa: mito e realidade

ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO

Todos sabem que o Tesouro do Estado deve R$ 15 bilhões ao Banespa. Nem todos se deram conta, contudo, do fato de que o Banco do Estado, por consequência, deve R$ 15 bilhões a milhões de correntistas, depositantes, poupadores e a intermediários financeiros, incluindo outros bancos, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Estes, de sua parte, captaram junto a milhões de depositantes o dinheiro que emprestaram ao Banespa. A função básica da intermediação financeira é, aliás, justamente esta: captar recursos de uns e emprestar para outros. Portanto, resolver o problema desses milhões de depositantes é o que conta e que está realmente em jogo na questão do Banespa.
Alguns políticos, analistas econômicos e jornalistas mal-informados insinuaram que o governador Mário Covas deveria simplesmente não pagar a dívida. Alguns chegaram até a propor ao governador esquecer o Banespa e sua dívida. Ora, do ponto de vista dos interesses do Tesouro de São Paulo, essa seria uma solução tão apetitosa quanto egoísta, já que prejudicaria milhões de depositantes, abalaria o sistema financeiro nacional, com repercussões internacionais, e representaria um tremendo prejuízo financeiro para o governo federal. A decisão teria certamente um impacto de dimensões incalculáveis sobre o futuro do Plano Real. Seria, em suma, uma decisão irresponsável.
O governador, no entanto, é um homem público responsável que se preocupa com a saúde financeira do país e, desde o início da crise, mostrou firme disposição de pagar o que o Tesouro de São Paulo deve.
Desnecessário enfatizar que, se a escolha fosse não pagar, isso teria tremendas repercussões não apenas nacionais, mas também internacionais, pois o Banespa está estabelecido no exterior, tem correntistas estrangeiros e brasileiros que vivem fora do país, como é o caso dos dekasseguis no Japão, por exemplo. Um calote dessas dimensões, em milhões de pessoas, com certeza causaria um tremendo impacto.
Ocorre que o Estado de São Paulo não tem R$ 15 bilhões em caixa para quitar a dívida. Mesmo porque se tivesse, digamos, um décimo desses recursos não haveria nem mesmo crise no Banespa.
Essa é a razão pela qual o governador Covas propôs e fez o acordo, que estipula que metade desse valor seja quitada com a venda de ativos e o restante refinanciado (não se trata de dinheiro novo) em prazos e taxas de juros -de padrão internacional- compatíveis com a capacidade financeira do Estado, e está oferecendo todas as garantias necessárias para que o pagamento desse refinanciamento efetivamente ocorra.
É inacreditável que uma postura madura como essa, que quer quitar a dívida, possa ser criticada. O governador Mário Covas assumiu a única postura correta para um homem público, dadas as tremendas implicações que adviriam com o não-pagamento da dívida.
Essa era, aliás, desde o início da crise, também a posição dos diretores lúcidos do Banco Central, apesar de setores da imprensa terem muitas vezes apresentado os fatos de forma distorcida, colocando a privatização imediata como exigência e única saída.
A questão crucial, social e financeiramente, repetimos, sempre foi a dívida do Tesouro do Estado junto ao Banespa. Até aqui, de forma propositada, não entrei na questão da controvertida privatização do banco, pois isso pouco auxilia na solução do problema central, que é a dívida do Tesouro estadual diretamente com o Banespa e, indiretamente, com milhões de paulistas e brasileiros.
De fato, o patrimônio líquido do Banespa é de cerca de R$ 1,5 bilhão. Isso supondo que essa dívida de São Paulo esteja equacionada e não seja considerada como crédito em liquidação ("podre") e que o Estado continue a utilizar o Banespa como o seu banco, ou seja mantendo depósitos, pagando funcionários etc.
Nos períodos de maior valorização no mercado acionário, o valor de mercado do banco equivalia a no máximo 40% do patrimônio líquido. Ou seja, o valor de mercado hoje seria de R$ 600 milhões. Como o Tesouro de São Paulo detém um terço das ações (66% das ordinárias e zero das preferenciais), ele possui R$ 200 milhões no Banespa. O que, não há dúvida, é uma quantia irrisória se comparada ao total da dívida.
Depreende-se, então, que a privatização ou não do Banespa é uma outra questão, como corretamente sempre sustentou o governador Mário Covas, e que não é trilhando essa via que se solucionará a questão crucial, a dívida do Tesouro paulista com o banco e, portanto, com milhões de paulistas e brasileiros que são correntistas, poupadores e depositantes da instituição.

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